terça-feira, outubro 31

Pérola

 A noite em seu manto bordado

Luz tremebunda, fogo dourado

Fogo anil, de alquimia venenosa

Suaves asas pintadas de mariposa

Salamandra rubra incandescente

Licor agridoce de odor quente

As constelações em teus olhos

Por meus caminhos maltrapilhos

Essa voz tão terna que me incita

Uma memória perdida e maldita

A boca grita um grito perdido

De sangue no peito fendido

Invenção, o renascer, as farpas

O corpo caído das escarpas

Não lhe ouviria os passos

Há tempos desfeitos os laços

No meu coração estas letras

Pérolas canções entre outras

A ameaça, o punho, o testemunho

Nada busca, tão pouco, tão louco

quarta-feira, outubro 25

Ruptura

 Vão-se-me os amores entre horas desertas de quietude

O tempo escapa veloz nos ventos d’uma primavera gris

Oh, são tantos ais pelos umbrais de caminhos agrestes

Auroras afogadas em alguma manhã muda e sem brilho

 

O perfume vespertino alumbrou minha porção caseira

Renasceu do ventre da noite em fios d’água cristalina

Quando verte de negra fonte, precede toda ausência

A romper silêncios pétreos no assombro das partidas

 

A vida sem amar é perder. É como, sobretudo, morrer

Sem escrever o verbo sob os fulgores de um novo dia

É não ter asas para voar no mesmo espaço do pássaro

Nem ter-lhe a voz breve que tempera sorrisos tardios

 

Onde encontro segredos de ti, menina de antigamente

Ouça-me antes que o sol nasça como alarme do adeus

Ouça meu canto amargo que o esquecimento assopra

À espera de teus ouvidos noturnos e tórridas paixões

 

Somos contrários libertos a buscar a energia do fogo

Para que o metal se rompa em líquido qual mercúrio

Assim como o amor rompe os contornos das palavras

Quando se faz real e fonte permanente de toda vida

sábado, outubro 14

Vidas Vazias

 

Foram tantos e tão longos os caminhos vazios desta vida

Vagas estrelas da noite carregam seus nomes em segredo

Enquanto o vento sussurra pela porta aberta das noites

O cão da ausência uiva para a lua escondida pela nuvem

Persiste na boca o sabor amargo das partidas sem adeus

Que resta quando a dor sobe do inferno fundo da alma

 

Os navios deixaram o cais e viajam suas distantes rotas

Entretanto a mulher que eu amaria já pertence a outro

E nos ventos díspares da madrugada, minha cama vazia

Exala um cheiro de bergamotas sob o lume de silêncios

Luz, estrelas e estradas, um constante perder e ganhar

Renasço nas palavras mortas com um resto da infância

 

A vida passou, nem percebemos quão rápido acontece

É ora alegre ou ora severa como comandem os cordéis

Mas olhamos no espelho e vemos o quanto já mudamos

Uma figura lívida que serpenteia e trespassa todo azul

Nas alvoradas que as memórias nos darão conta enfim

De quanto abrimos mão por algo que nem pôde existir

 

As sombras da noite brotam pelos cantos e são ligeiras

Espalham-se qual o asfalto molhado das ruas solitárias

O relógio desenha círculos com seus negros ponteiros

A mover-se entre os números e as correntes douradas

Um bando de aves exóticas grasna pela hora alarmada

Para despertar do sonho e dizer que é hora de morrer

terça-feira, outubro 10

Amiúde

O matiz de teus olhos esmaece entre minhas lembranças

A noite se alonga no breu da espera e a oxida impiedosa

Nesses céus gris, o amor sofre da agonia dos nunca mais

Das acres despedidas, madrugadas sem nenhum amanhã

Quanto de mim fez-se silêncio, quanto a noite é silêncio

Íntima e quase namorada, a angústia dos barcos no cais

Mas o amor é pedra cristalina e minha lúcida passageira

É que o amor é a tua chegada e posso ouvir teus passos

Cujos ecos me fazem voar sobre o musgo das ausências

Sorver a ânsia de te ver chegar, minha estrela da manhã

Que reacende meu fulgor, pela certeza de te pertencer

Onde amiúde meu amor clama por teus seios, teu corpo

Nos segredos da noite, mãos que perseguem borboletas

Se te escrevo é por medo de te perder, flor do meu dia

Enquanto teu nome esvoaça em minha boca nas tardes

Tal qual um som foragido da doce surpresa dos sonhos

Que por mais que naufraguem em ti, tu saberás de mim

Como uma vertigem, um sopro convulso de ar e alegria

Pois chegas e desatas o riso que renova o sono em paz

sexta-feira, outubro 6

Traças

O assovio do vento soprou folhas da veneziana

Os espíritos famintos clamavam na noite cruel

Um gemer de afogados, os barcos na tormenta

O grito longínquo no jardim, ecoou na calçada

As árvores frondosas se desnudam, uma a uma

Foi assim que partiste deixando o silêncio aqui

Nem olhou atrás, na vereda gris da madrugada

Agora estás de volta silenciosa qual uma serva

Servil como uma gueixa, sem dizer teu intento

Espreitando o escuro qual um estranho animal

Esperarás que eu te receba, te ofereça flores

À sombra daqueles dias, te digo, tudo morreu

Da semeadura vã, vem uma colheita arruinada

Adeus cerejas maduras, calda doce qual o mel

Nem as frutas, os lírios ou mesmo os rouxinóis

Também secou-se nosso rio povoado de verões

Não há caminhos a seguir num mundo de traças

Pela garganta o gosto amargo d’um nunca mais