quarta-feira, maio 27

Ruas Secretas


Nas ruas secretas que há dentro de mim, caminha uma sobrevida
Abrigada de dores antigas feitas nos desvãos de meus equívocos
Ainda ressoam os estampidos noturnos, tão velozes e traiçoeiros
E o tiro que apontou o caminho que me foi dado a hoje caminhar
Que assombra por todos os males que já me perseguiram outrora
Em tempos que passei a viver os silêncios de uma solidão pública

Mas as areias fluem e a ampulheta inventa novos rumos nessa via
Assim, espero sob o vento frio das madrugadas, na falda dos dias
A chegada do teu abraço carinhoso, com a esperança nos lábios
De olhar teu sorriso de criança quando me seguras pelos cabelos
E me enlouqueces como nenhum sonho louco possa ter inventado
Tu me és sobretudo movimento, nova vida que se vive por inteiro

A transparência do meu amor se revela nas raízes de meus versos
Apesar de minhas palavras inquietas que transitam noite adentro
Trarei poemas descalços para não ofuscar o brilho de teus olhos
Nos quais terei riscado toda a amargura e melancolia que tivesse
E fazer girar o moinho de meus pensamentos sobre o novo tempo
Para navegar dentre verbos e adjetivos azuis de uma nova canção

Novos dias, novas palavras com um quê de lucidez outro de fúria
Quero que digas, e já te digo, que me pertences, cristal da aurora
Quero que caminhes com tuas pernas os caminhos que vem a mim
E navegues o mar aberto da paixão, tenho o porto para te abrigar
Tenho o farol que brilha no horizonte, incandesce apenas para ti
Quero dividir contigo esta alma que te oferto, singela como beijo

Quando tudo isto passar, ainda quero repartir o caminho contigo
Estar a teu lado, flor do meu poema, quando a claridade do dia vier

segunda-feira, maio 25

Céu Lilás


A sombra na ânsia cega dos caminhos retrata a angústia
Que, anônima, reside em mim em alguns dias tão difíceis
Essa é a amarga presença que este confinamento remete
Onde o medo do desconhecido se apresenta a toda hora

Os ventos silvam lá fora erguem a poeira em redemoinhos
Parece que contam histórias, ao esgueirar-se pelas frestas
Enquanto os vidros sacodem ao vento no mais é silêncio
Sinto-me inerte e o cinza uniformiza todas demais coisas

Teu nome cintila na noite como um farol nesta distância
Indicando a estrada a caminhar, fugir do tempo invivido
Para ousar escrever uma nova página no livro do destino
Surpreender os teus olhos distraídos neste final de verão

Mas este é só um poema feito das palavras que me cercam
As árvores, o vento, onde estará a lua nesta mesma hora?
Na penumbra densa se escondem as estrelas desgarradas
O silêncio me indaga de ti em sussurros ao pé do ouvido

Queria estar contigo num fim de tarde, o céu quase lilás
Sentindo nesta minha esperança a brisa do mar no rosto
Enquanto vamos de mãos dadas pela calçada à beira-mar
E nuvens brincam de desenhar figuras leves qual sonhos

Meu amor urgente é a luz que instiga os íntimos minutos
Em que somos um só na mesma paixão e seu pulsar febril


sábado, maio 23

Noturno 6.5


Soergo meus olhos a buscar outros olhos com certa angústia
É outro ano vencido nesta caminhada nestes dias incontidos
Mais uma vez quedo-me face a face diante de meus temores
Tanto mais nesta reclusão voluntária que a cautela me exige
Então devo confessar que bebi dos cálices do conhecimento
Até habituei com a embriaguez que todo o conhecer resulta
Descobri que esse meu silêncio, até se parece com a tristeza
Mas é a flor da imaginação que me sustenta nos seus braços
Descortinei na árdua busca de mim, o peso de aceitar-se a si
Em geral, encoberto entre as brumas obscuras da ignorância
Encontrei além de mim, outro olhar para somar nessa viagem
E com esse alguém violar os limites, romper todos horizontes
Esperança e liberdade cabem na vereda de um futuro a dois
Sei que quero a vida, mas martela na mente a dura realidade
Que nutre a sensação que viver é tão frágil e o tempo curto
Nem sei quão curto, mas sei que não farei fácil para a morte
Se a vida fosse como dormir, seria só alterar de lado se doer
Não é simples viver sem sonhar e aí a poesia se faz imperiosa
Que nos versos permite romper as barreiras da mediocridade
Assim estendo minhas asas ao primeiro brilho de cada manhã
Esparzo a poeira da noite sem lamentos nos olhos ou na alma
Chego sóbrio a esta reflexão existencial aos sessenta e cinco
Tal qual o faço desde que fui renascido, há cinco anos atrás
Eu não tenho saudade do que um dia fui, sei que envelheço
O que faço feliz, sem me entregar e sem resistir, reinventado