segunda-feira, maio 30

Se

 Os silêncios terríveis da noite, da qual se substancia

Entre a ampla quietude, minha insônia é a substância

Que me recordará do que fiz, o que deixei por fazer

Espelhando em mim um timbre incômodo de angústia

Exibindo tais irreparáveis cadáveres do meu passado

Nenhum do que foi feito, mas do que restou a fazer

 

Poderia ser tão diferente noutra dimensão ou tempo

Noutra vida algures, onde os mortos ainda são vivos

Na loucura de conjecturar porque prá lá, não prá cá

O que seria irmos acima e não abaixo, o sim ou o não

Como seria se o poema fosse feito de outras palavras

Haveria outro hoje se tivesse existido outro ontem?

 

Na noite de terríveis silêncios, a falsidade incomoda

Vivemos no curso da vida a ilusão do tempo-espaço

No decorrer dos dias não guardamos as lições, mas

Apenas tolices cruas desse acervo de quinquilharias

Que não nos torna primores ou evita o frio do medo

Só a poesia, tola anciã, nos dará anoréxica salvação

 

Os versos do poema, o lado desconhecido da cidade

Nada nos pertence, nosso é o ar sob o véu da noite

quinta-feira, maio 19

Emboscada

Emboscado em meus próprios versos te canto este poema
Embora preferisse ouvi-lo em tua doce voz como a lembro
Sonho petrificado nos recônditos de minha fértil memória
Desde que tatuaste teu cantar de rouxinol em minha pele
Tua lembrança vem e pulsa comigo, me domina os sentidos
Era tanta paixão tu e eu, que nem nos deixamos acreditar
Que o destino além da metafísica nos daria uma realidade

Mas, tudo que emerge causa conflito às forças primitivas
E a erva daninha teria que ser constantemente arrancada
Abrigar-nos em algum oásis perdido, pois corríamos riscos
Treitos ao que filósofos chamariam de velhas concepções
Mas, são pessoas imbuídas de inveja, olvidadas de paixões
Que agiam para nos saquear o sentido, fragmentariamente
Criando com sinistra estranheza a desordem e o desajuste

E, foi assim que imergidos no frio da escuridão de inverno
Levaram de mim teu calor mágico que irrigava as fantasias
Abstraídos da verdade desse amor tomamos outra estrada
Nosso olhar se esvaiu sobre os lados tenebrosos da cidade
Perdeu-se nossa alma larga, os suspiros da canção de amor
O que hoje há, é só um fiapo solto num novelo de mentiras
Um emaranhado dos gritos funestos das batalhas perdidas

quarta-feira, maio 18

Noturno 6.7

 Hoje sei que a rebeldia não morreu na juventude e vim escrever

Um poema que traga uma pausa aos gestos parnasianos de rimar

Qual uma fumaça se imiscui ao ar adubando as paisagens inertes

Recusando serem alinhadas nas prateleiras das ideias que fluem

Em cabeças cobertas da cisma oculta, sob o boné da ignorância

Versos que para alguns, são nada mais que palavras transversas

Mas que são sementes de muito suor intelectual e tempo gasto

Que caídas em solo fértil, a contragosto daqueles, darão frutos

E fugiremos de viver de mediocridade nesta vida de empréstimo

Mas devo alertá-los que só há uma nesga de deleite na aspereza

Que se escondeu nos solos das baladas melódicas do rock’n’roll

Repontando os refrãos desta labuta caseira de escrever da dor

Como orientar-nos se a fulgurância da facilidade bate na pupila

E nossos simples olhos não veem contrastes à luz das lamparinas

Podendo tropeçar nas sombras, pois que vamos de peito aberto

Como explicarei que é tua própria imagem que mostra teus atos

Se para muitos basta resíduos memoriais das asas, mas sem voar

Como direi que tantos que me adulavam, os vi de costas demais

De meu leito de morte, onde seria mais conveniente eu restasse

Entretanto a dor no peito já amainou e, sei que chegará, um dia

Mesmo sob o peso da fome, este poeta liberto de toda mortalha

Se erguerá desassombrado a contemplar um arco íris só em azul