quinta-feira, julho 26

Alvorada



Numa dessas manhãs que o sol se abate sobre o sereno na relva
Em que parte do céu brilha rubro, outra o gris das nuvens cobre
Refaço a liturgia da criação da poesia, busco no éter as imagens
Que costuro entre verbos e advérbios, palavras cortadas na faca
Como só o quê de insano que haja em um homem viria conceber

São versos renascidos por inúmeros caminhos de terra crestada
Que se estendem lentos do lado de fora das janelas da memória
Em meio aos escombros reescrevo de novas cores meu passado
Amaino as tempestades das quais invento brisa e águas mansas
Por essa biblioteca de acontecimentos que conta hoje quem sou

A poesia corre brilhante em meu sangue igual a um rio de vinho
Para me embriagar, pois sem ela sou tão só uma metade de mim
E nela irei iludindo o tempo, mesmo ao argucioso relógio da vida
Que a cada tiquetaquear nos avizinha da morte tanto sorrateira
Não há o que lamentar, tampouco pedir prazo, basta prosseguir

O poema em seu contorno evanescente cobre tudo de mistérios
Com um quê de mágica, para iludir a percepção num gesto sutil
Qual o rio se dissolve no mar, faço-me invisível entre a multidão
Pois são meus todos os rostos e compreendo a cada pensamento
Que me libertará dos grilhões que me tolhem o sonho e o canto

Há todo um universo à minha espera com suas fadas e donzelas
Por vezes são garras e teias e o abismo chama, falta-me o chão
Tal é a vertigem que nem bem sei ao certo se, um dia, esteve lá
Mas tenho esperança então devolvo ao mundo o que me semeia
O bom senso de saber que quão mais temo, tanto mais me atrai

Da dureza aparente, revelo que há uma flor escondida em mim
Que, ousada, se aventura entre as pedras sem medos ou limites
E é nesse sentimento, que me encharca de desejo, como dádiva
A liberdade para reviver minha alma de pássaro fora das grades
No voo sem máculas, em espirais infinitas no azul do céu aberto