Numa dessas
manhãs que o sol se abate sobre o sereno na relva
Em que parte do céu brilha
rubro, outra o gris das nuvens cobre
Refaço a liturgia da criação da
poesia, busco no éter as imagens
Que costuro entre verbos e
advérbios, palavras cortadas na faca
Como só o
quê de insano que haja em um homem viria conceber
São versos renascidos por
inúmeros caminhos de terra crestada
Que se estendem lentos do lado
de fora das janelas da memória
Em meio aos
escombros reescrevo de novas cores meu passado
Amaino as tempestades das quais invento brisa e águas
mansas
Por essa
biblioteca de acontecimentos que conta hoje quem sou
A poesia corre brilhante em meu
sangue igual a um rio de vinho
Para me
embriagar, pois sem ela sou tão só uma metade de mim
E nela irei iludindo o tempo, mesmo ao argucioso relógio da vida
E nela irei iludindo o tempo, mesmo ao argucioso relógio da vida
Que a cada tiquetaquear nos avizinha
da morte tanto sorrateira
Não há o que lamentar, tampouco
pedir prazo, basta prosseguir
O poema em seu contorno
evanescente cobre tudo de mistérios
Com um quê de mágica, para
iludir a percepção num gesto sutil
Qual o rio se dissolve no mar,
faço-me invisível entre a multidão
Pois são
meus todos os rostos e compreendo a cada pensamento
Que me libertará dos grilhões
que me tolhem o sonho e o canto
Há todo um universo à minha
espera com suas fadas e donzelas
Por vezes
são garras e teias e o abismo chama, falta-me o chão
Tal é a
vertigem que nem bem sei ao certo se, um dia, esteve lá
Mas tenho esperança então devolvo
ao mundo o que me semeia
O bom senso de saber que quão
mais temo, tanto mais me atrai
Da dureza aparente, revelo que
há uma flor escondida em mim
Que, ousada, se aventura entre
as pedras sem medos ou limites
E é nesse sentimento, que me
encharca de desejo, como dádiva
A liberdade para reviver minha alma de pássaro fora das grades
A liberdade para reviver minha alma de pássaro fora das grades
No voo sem máculas, em espirais
infinitas no azul do céu aberto