terça-feira, outubro 27

Outubro



Desde os mais ácidos tempos de pós abril
Quando escrevi com os olhos em lágrimas
Estes poemas que emergem tão soturnos
Nestas noites de insônia do meu cotidiano
Que o luzeiro urbano encobriu as estrelas
De qual brilho são só lamentos silenciosos
Nuvens como esculturas singram ao vento
Dando ares de estar ao alcance das mãos
Porém efêmeras e distantes como o sonho
Que se faz sonhar e que não se concretiza

Outro outubro finda nesta estrada só de ida
Em que tudo parecia pequeno e intemporal
Mas afinal houve a tua chegada inesperada
Ao tocares meu coração, com um só gesto
Tornastes dias cinzas em tardes ensolaradas
Forjando um sentimento muito maior que eu
Que prospera não devagar como a sequoia
Mas intenso e arrebatador qual um tornado
Mostrastes que tu és o meu lugar no mundo
E tua ausência um amargo no fundo da alma

Então escrevo porque és encanto e doçura
Estou só, mas não sinto que estou sozinho
Estou só, contudo nunca eu estive tão vivo
A noite, companheira de prantos e estrelas,
Não mais me precipita na escura melancolia
Penso nos teus olhos, sou ora teu guerreiro
Sou teu amado, sou quem te ama, teu amor
Sou o oleiro a esculpir o barro da existência
Predizemos que nos pertencemos, sem dizer
Sentados à beira mar, o sol se pondo, rubro


segunda-feira, outubro 19

O sonho realizado



Este dia principiou com abissais signos nublados em mim
De ameaças e equívocos para oprimir meu peito já ferido
Aflitivo tal qual silos transbordantes de sementes de dor
E eivados de vastas levianas afirmações destinadas a ferir
Para ocultar a incapacidade dos carnífices em realizar-se

Para realizar meu sonho tive a felicidade de te encontrar
Contigo as mais gratas lembranças giram em minha mente
Sinalizando que minha vida alcançou a plenitude, por fim
Apanhada por teu amor num mundo em que o impossível
É somente a agreste estória de negros tempos já passados

Porém, das minhas mais solitárias e silenciosas reflexões
A gárgula do medo sombria e sorrateira, ainda me aflige
Pois tu que vieste para me arrebatar de forma tão etérea
Poderia evanescer numa negra e infeliz tarde e me deixar
Este sentimento é vivo em mim, os outros não podem ver

Como seguiria eu adiante sem ti para me elevar o espírito
Não poderia eu enfrentar, só, as feições da noite constelar
Com suas sombras prontas a me esmagar de um só relance
Sim, admito, tenho medo de meus dias solitário terminar
Se não mais te puder ter, seria encerrar meu livro sem final

Para isto, melhor seria vir uma imediata e generosa morte
Do que essa angústia de jamais rever seu sorriso tão juvenil
Sentir a energia de tua pele dourada pelo sol, junto à minha
Que me fez renascer, reviver, olvidar que a morte me ronda.
Com a voz embargada de paixão peço me perdoes desacertos

Vivo por ti, para admirar tua perfeição e teu frescor estival
Desejo-te ao cair da tarde, num infinito abraço ao pôr do sol
Sentir o vento soprar carícias nas folhas largas das árvores
É teu o meu reino, as figueiras a anunciar frutos maduros
São teus os dourados campos de trigo a bailar com a brisa

E se mesmo vencendo os aferros o destino decidir me levar
Quero que cantes quando eu me for, nos prados ao sol e mar
Deites minhas cinzas, deixando sempre nossa música tocar
Para que em tempo algum te esqueças de que fui parte de ti
E tu a melhor parte de mim, meus favos dourados e meu céu.