quarta-feira, novembro 29

Tempus Fugit




Na triste vida dos relógios sufocados sob a poeira da vida
A poesia é o avesso da solidão onde transitam as palavras
As lembranças na sua transparência, espelham a angústia
E na sombra dessa dor a oculta, como véu de pensamento

É basilar o tato cristalino para não perder o vigor do verso
E andar pelos dias entre as veredas que orlam os moinhos
Desperto no espelho interno pela ânsia do viver contínuo
O que fazer quando os dias criam do pensamento, o vento

Que fazer à vida, essa alma sozinha que se arraiga à poesia
Que é o próprio moinho pelos caminhos sem algum vento
O que fazer da gravidade vertical da chuva diante do amor
Para, reduzida à consciência de cada dia, desafiar a morte

No espanto de nossa insciência, nosso desejo só de proibir
Cavamos a cada dia, sem cessar, à espera do rigor da morte
Nosso desaparecimento na tempestade dos anos olvidados
Nada exaure mais o gosto de fel na boca que a suave poesia

Amanheço, no novo dia, com a chuva dos anos na memória

segunda-feira, novembro 13

Por um fio



Certas vezes a vida se pende por um único fio e sei
Que o que se vive agora fazia sentido todo o tempo
Um dia, por que não sei, algo se instalou em mim qual
um estampido no peito, mas sei do terror que veio
que deixou a saliva coagulada, muda de despedida
Poderia dizer que foi um dia igual aos vendavais de
outono, que vão levando as folhas abatidas no chão

Agora é tempo para se rever o que de mim a morte
me permitiu, por piedade, que conservasse intacto
Mas quando olho para trás e vejo a carência que a
tristeza impregna em si, tenho que o hoje é sempre
mais difícil, se vamos encarar o frio aço do espelho
Vejo a palidez do fulgor de um outrora pobre e febril
diante do poeta, ora renovado no mover das areias

Nas imagens de sonhos que lhe convivem sob a pele
Nem sempre se pode lidar íntegro com o que se vive
Nas esquinas do tempo, é tudo tão veloz e traiçoeiro
Muitas lembranças acabam sendo deixadas no caminho
O olhar se conserva estático nas questões a formular 
Quedo-me mudo no pouco que sei de outros estampidos 
ou dores que podem estar lá no escuro dentro de mim

Não sei ficar apenas à espera do que me seja declarado
Na lisura do meu silêncio, oculto com hipocrisia a dor
Pois que a vida é igual à água derramada na terra seca
Uns poucos momentos e o esquecimento retorna o pó
Que infiltra nas fendas da superfície crestada do chão
Onde traço o círculo de giz, por onde renasço das cinzas
Louco, se o poema é tudo, a lucidez, sobretudo, é morte

Enfim, o que se vive é o que nos delega o jogo cotidiano
Em dado momento não se vive mais, no entanto vão-se
Deitando as memórias num álbum de velhas recordações
posto no escuro do porão com tudo que não se usa mais
A palavra certa, na mala da memória, é irmã da insônia
Pois serei o último, o reverso e o avesso, um retrato frio
 a luz esmaecida, a sombra dura, na resistência a sangrar

A glória será, ao morrer, verterem minhas cinzas ao mar,
numa longa onda como um poema que fale do que é amar