sexta-feira, fevereiro 24

Contramão




O quadro não é a moldura, todavia sem ela não é o quadro
Ah, estes meus versos mutantes nascidos da metamorfose
Que me perambula pela mente como numa pintura de Dali
Num mundo de quatro estações há partidas e há chegadas

Ressurjo com meu semblante azul em candeias luminosas
Sorvo o mel nos favos tontos entre os galhos multicolores
Sou o pássaro que se move nos ares, mas sou feito de terra
E por detrás do arco íris, deixei o rastro desta rota estelar

Ai de ti, nos ares deste escrito, que não te desfazes em cor
E manifestas ideias falazes de quem nunca sentiu uma dor
Ao fim de dezesseis luas chegarão meus pássaros secretos
Para dar cabo aos impávidos cenhos franzidos de outrora

Há um baixio de muro na rua distante que reflete um som
Do tiquetaquear de um relógio escondido ferido das horas
Na história inaudita há o silêncio oculto, um quase rumor
O dardo que arremessado à outra margem voa em rodopio

Seja a ponta da espada, seja o peito que ela aponta, seja só
Há quem tem o norte e quem tenha o sul e não tem abrigo
Há estradas por onde se segue meio aos sonhos e fantasias
Além da imaginação, da fronteira do tempo, na contramão.


terça-feira, fevereiro 7

Recital



Não, não decores este poema, mas recite-o como já fosse teu
Chore ao sentir a dor com que estas letras rasgaram o papel
Se os caminhos traçados afora entre as escarpas à beira mar
Couberem na tua vida, caminha neles ao perfume das tardes
Ignora o vazio que fez o silêncio de um carro que não passou
Mas ouça o barulho da chuva que cai lá longe nas montanhas
Tem algo de música, qual cada verso tem um quê de um blues
O poema não traz outra serventia senão te salvar da mesmice
Abrir a porta da alma para tua imaginação sair sem cerimônia
E sem saber, o todo que senti logo se estabelecerá no teu peito
Entranhado no rol de tuas verdades, tal um aperto no coração
Só o tempo, louco carpinteiro que rouba o verniz dos móveis
E também as nuances coloridas dos cabelos e neles faz o gris
Sabe como faz um coração de poeta bater preso a um só peito
Por isso hoje te trago aqui, leve, livre dos espinhos cotidianos
Em que os fantasmas que me passeiam às tardes ora repousam
Para trocar a angústia da incerteza pela abundância de um não
Liberto da afirmação que sonhar não vai levar a nada mesmo
Sonhar leva a tudo, mais que o permitido, mais que se pediu
A força da chuva é proporcional ao calor do sol, pouco antes
A força da realidade é proporcional à entrega com se sonhou