sexta-feira, março 27

A Salvação


Assim passou-se mais uma alvorada de perspectivas funestas
Assistimos uma disputa de poder acima das vidas em ameaça
Não se trata do perigo vindo do espaço, qual a ficção previu
Trata-se de um jogo de frases, do egocentrismo de uns tantos
Nem mesmo do mal em si, o tal vírus, que veio mudar a ordem
O pior mal são os egos, as vontades de se arvorar em salvador
Que se olvidam que o salvador é Um, bem como é seu Verbo
Se fosse ouvido fosse nos mostraria o caminho a ser trilhado

A salvação está na solidariedade, compaixão e compreensão
Está no coletivo, no todos por um e cada um no que lhe cabe
Mas minha voz é pequena, assim como o coro dos desvalidos
Que equivale a silenciar-nos diante de poderosos autocratas
Isso é o que era antes e continuará sendo depois dessa onda
Iremos no escuro, cingidos das faúlhas do sangue derramado

Em pouco tempo a lição oblíqua desta luta estará esquecida
Ao final, será só um mundo de lamentos, justos e profundos
Pois as coisas todas se arrumam, independente de você e eu
Quiçá tudo isso trouxesse alguma iluminação a curar feridas
E o medo se transmute em esperança, o furor em algo de paz
Que haja um empréstimo de luzes novas pelas redes sombrias

Espero que haja um canto pacífico das vozes antes convulsas
Recriando a primavera, onde antes já fora um chão calcinado

quarta-feira, março 25

Planície


O homem não é senão as palavras que é capaz de compreender
Para caminhar através do vazio infinito sobre o fio das lâminas
Onde à direita está a verdade, mas a qual é feroz como o tigre
À esquerda reside a dúvida, distante como o horizonte escuro
Galos surreais cantam à meia noite anunciando as madrugadas
Os cães ladram, mas não há caravanas a passar sob o sol a pino
O poeta quer empunhar a espada da conciliação indispensável
Ruma às falésias onde a brisa sopra para não se afastar da luta
O poeta vê o vento soprando à beira mar acariciando as ondas
Do alto ele navega mesmo na extraordinária planície esmeralda
Pois tanto o pássaro vive na gaiola que olvida o que é liberdade
Nascemos para o sonho, para sermos livres, viver sobre a terra
Um dia seremos apenas parte do verde e das flores renascidas
Ao fundo as colinas e estas são o que são cortando a paisagem
O guerreiro faz crescer a aurora através da cidade tão florida
No horizonte vai ensinar onde o sol deve morrer ao final do dia

Na turbulência


Debruço à mesa os pensamentos de como sobreviver nesta turbulência
Criou-se um pêndulo interior ficto que oscila entre a alegria e a aflição
Que faz, a cada minuto, avaliações do outrora e do amanhã nesta terra
Recriarei em mim um espaço que seria um novo tempo, mais magnânimo
Para assim a tudo explicar, como as paredes brancas de espaços felizes
Recordar tempos de criança de outonais dias amenos de maios festivos
Onde prevíamos surpresas felizes, com indisfarçada vontade de cantar
Volto a esperar, suave loucura onde o trigo germina e as amoras adoçam
Que tudo mais sejam histórias de desejo, sejam criaturas felizes no amor
Bem agora, com olhos palpitantes, na música inventada ao som da harpa
Numa imagem vertiginosa, com certo impudor e instinto de ave noturna
Encanto-me com essa mulher, a mulher certa com quem beber e morrer
Em cada mulher há a morte, algumas trágicas e outras doces e gloriosas
Quando seu corpo arde mansamente sobre os lençóis, sorriso e melodia
Sob a luz escarlate, um coração faminto de substância, leve embriaguez
As chamas do amor emanam à tona da face, entre as curvas dos cabelos
Nossas bocas se unem e tenho a certeza que ela é estrela em órbita viva
Amanhã estará de volta o silêncio diurno, mas sua imagem será pungente
Ela será a inspiração, a lua matutina, a espada e a brandura vivas em mim