domingo, janeiro 28

A verdade de cada um

Andando na vida, fui pateticamente romântico quase sem limites

Até onde fui e as asas destacadas de meu corpo pelas tormentas

Até olhar-me fruto de todo arcabouço desta semeadura humana

Percorrer espaços após espaços e ver as perguntas sempre iguais

Passei portas que fecharam às minhas costas qual fossem atalhos

Uma brevidade entre um século de silêncio e me chamaram poeta

Um galardão que não me fez enaltecido, mas serviu para somente

Lavar as mãos da dor acumulada como se fora a poeira do tempo

Foi escrevendo que pude entender o que não entendi só ouvindo

Tantas crenças falsas no brilho das letras de grandes cabeçalhos

Se espalham como um verdadeiro e fatal vírus a repetir a história

Ninguém se volta ao espelho já baço para admitir verdades duras

Dando preferência às miragens, ao certo bem mais complacentes

Ninguém expõe as ideias à luz ou as submete às rédeas da justiça

Mas escolhe o eufemismo que atenua erros e assim chamar de fé

Sustentando toscas assertivas, qual alcandorados sopros divinais

Assim cheguei à conclusão que a verdade de fato pouco importa

Antes, aquilo que cada um se arvorou em verdade para ter razão

Razão essa qual, a alguns tolos ou insanos, vale mais que ser feliz

sexta-feira, janeiro 26

Periferia

 Chegou a chuva e se desfazem os passos e as pedras

Bailam os restos e garrafas plásticas ao vento cálido

O córrego arrasta, vai levando sob dias tormentosos

Bem nessas horas inundadas, o barro, os cães mortos

O esquecimento é o tempo que se lamenta as perdas

E fazer parecer que não há mais nada para se perder

Algo que respire diferente, nem olvido ou lembrança

O lixo, ruas tristes, os tetos de zinco, assim é a vida

Uma certa amargura flutua no ar bem ali na esquina

Lentamente. Um ranço de cerveja que se derramou

O homem parado à porta, sozinho, curvando de frio

O ônibus passa entre as casas baixas e gente a olhar

Quase nada a celebrar, só há névoa e notícias ruins

Uma garrafa em cacos, o às de espadas, uma música

O vinho amargo, um olho desorbitado, não há amor

Nas águas da chuva, sem perdão, só mais do mesmo

quarta-feira, janeiro 24

Borboleta

 

A dor, esse amargo sumo que goteja e a terra não sorve

Não esconde os erros, não cala o que foi. Tanta lágrima

E o pó do barro continua pó, não faz rocha nem abraço

Não vence os muros, antes espanar as roupas e levantar

Abra os olhos, a rosa sem perfume é só plástico e arame

Flor que o verbo abandonou, morfema mero e tristonho

Esse verso emprestado que só se abre à vista da solidão

Porém se esconde detrás d’um belo par de íris de cristal

O asfalto apenas é uma estrada, porém não é o caminho

Uma porta entreaberta, bocas distantes e a mesma sede

Impassível, a saliva que o sol goteja no chão ao meio-dia

A água na geladeira, longe qual mãos em braços abertos

É bem mais fácil espernear-se que oferecer a outra face

É mais fácil subir no muro, olvidar o suor e sem lágrimas

Negar e disfarçar essa ausência de expressão nos lábios

A contrariar o senso da incandescente borboleta rubra

Que bate as asas de bordas negras num alarido noturno

Sem medo de, por isso, ver-se presa numa jaula de metal

Tomo da pena, escrevo a palavra e olho meio de soslaio

Afugento a borboleta, retomo meu voo ao véu noturno

De mãos crispadas, desenho uma janela e salto no vazio