Se escrever é fazer mágica, sou um mago; se for transformar, sou alquimista; se for dominar mistérios, então sou bruxo. Vim transmutar sentimentos em palavras e vice-versa. Os poemas falam de imagens, sentimentos e sonhos. Tudo se passa na vida real ou na surreal. Ao lê-los tenha atenção ao que está oculto nas entrelinhas. Deixe que os versos te levem onde o vento quiser levar. A musa de meus poemas é a vida. Estejam atentos, pois as palavras são metade de quem escreve e metade de quem lê.
segunda-feira, agosto 28
sábado, agosto 26
O anuário non sense de inutilidades
Janeiro: não distribuo esmolas
Frequento rodas de luto pelos
Umbrais frios das madrugadas
Disputo com cães as calçadas
Nessas horas quietas e úmidas
No ar, um breve odor de uvas
Fermentadas como um poema
A embriagar algum desavisado
Fevereiro: prurem-no questões
Vergastam-lhe os olhos rubros
Alma desnuda nas intempéries
P’ra perseguir somente o nada
Por não calar, dizer algo inútil
Palavras malcheirosas ou nulas
Resíduos de todas as partidas
Março: Tremula essa chegada
Flâmulas fúteis ou até etéreas
Na hora que a dor devia doer
De tantos sonhos extraviados
E nem mesmo ainda sonhados
Nos espelhos de corpo inteiro
Ou das partes que persistiram
Abril: A que serviria o braço
Se não usado para dar abraço
Não acenos chulos e gastados
Audição seletiva aflui a frase
Surda entre gritos subversivos
De pernas que não caminham
Vãs estradas já não caminham
No desejo atrelado às costas
Refulgente na áspera sombra
Maio: Sentidos em entranhas
No meu desvelo por meu país
De tantas vozes multíssonas
Dos parcos rincões distantes
Sumo de frutos tão variados
Só o chumbo te solucionará
Por sua insistência metálica
Na razão das mãos calejadas
Junho: No caminho, a pedra
Perigo por ruas desbordadas
Cereal ausente e ventre oco
Mesmo faminto das palavras
De todos livros inalcançados
Ou tantos poemas inescritos
Sem riso, calado, sem horário
Tudo respondido em silêncio
Julho: Eu sou tão obstinado
Empunho tolices p’la estrada
Versos na poeira de décadas
Tão atuais quais eu ou você
E tão demodê quanto um cd
Ser poeta, esse ofício triste
Na calma planície do campo
Agosto: Tais gotas sombrias
Prisioneiro por noites e dias
Só a brisa resvala na parede
A poesia é o quanto abunda
Para se desigualar da morte
Silêncio ao fim d’um inverno
Que espera outra primavera
Vir nascida a gosto de Deus
Setembro: Debalde a cidade
Corrupia a fumaça cinzenta
A alimentar a fuligem do dia
De lonjuras incomensuráveis
Mui amplas e quase infinitas
Riso amputado e desgalhado
Nos faculta migalhas e jejum
Qual a chuva que nunca vêm
Outubro: Vamos desvivendo
No ar roubado que se exalou
Pelos vinhos anchos à deriva
O barro não criou diamantes
Séculos de rudes esperanças
Um dia que possa desmorrer
No credo de tudo e do nada
Novembro: não há elegância
Na falta da honesta angústia
P’la dorida tristeza cotidiana
Vencida mágica da paciência
Sem nem um pão para comer
O incansável canto do látego
Posto não entenda nem saiba
Cerrando bocas desdentadas
Dezembro: o tempo solidário
De corações vazios solitários
Nos chãos do retorno a casa
O perfume lilás tinge os dias
Dormidos na palavra ternura
A palavra surte além de tudo
Aceno ao dia punho crispado
Um bom dia a rever os filhos
São poemas que a vida pariu
terça-feira, agosto 22
Petricor
Estou acordado, ouço alguém que me fala, mas não está
Na televisão no móvel exibe-se gestos e imagens sem som
Talvez eu recorde disso mais tarde, não quero isso agora
O livro jaz sobre a mesa de cabeceira desde aquela noite
Os cogumelos brotam no campo entre as flores coloridas
Devo anotar isso e não esquecer. Esquecer o quê mesmo
Ah, é um sonho e no sonho sou o pintor pintando versos
Não creio que seja inútil, porém que não tenha utilidade
Os relâmpagos iniciam a chuva e a escrita é tão distante
Lá das ruas vazias, o petricor se espalha em meu quarto
No sonho estou seco e abrigado e a chuva ocupa o olhar
Que recobra essas todas imagens de lá de fora da janela
Janela translúcida, sentimentos opacos e intransferíveis
O cavalo que passa a galope esconder-se da tempestade
Ao longe, beirando a estrada, vejo umas cruzes brancas
Onde a chuva molha o asfalto, mesclando-se às lágrimas
Volto à cama, ao real que permanece gravado na retina
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