Assim um dia, descobri que posso
ver o que a foto não revela
A residir no horizonte interno, invernal e oculto pela
pálpebra
Tantos navios naufragados, deserdados neste poço de solidão
Ventos avaros, de um verão já distante,
solenes como ícones
Assim um dia, descobri que o mistério maior que eu já escondi
São fragmentos olvidados de mim, dos antigos silêncios carmim
Dos perfumes ociosos de jasmim, absolvidos de todo o pecado
Só por estarmos juntos, duas almas a habitar uma
só paisagem
Assim um dia, descobri que não se conhece da vida pela janela
Mas a imergir o império das esperas melancólicas dos domingos
Perscrutar nos porões que se velaram as mais
densas tristezas
Ouvir as vozes anônimas da verdade que
desafia nossa higidez
Assim um dia, descobri o poema, amigo ora
sublime, ora cruel
A retratar o martírio de quem se abandonou a sonhar o amor
Em vocábulos ceifados do peito, ancorados na folha de papel
Cristalinos como as auroras ou sombrios quais noites sem luar
O poema dilacera os mistérios da linguagem, santa ou meretriz
Fere de morte a inércia da língua e salta da
página ao coração
A noite
se fez em cinzas sobre as nuvens
O dia
azul puro naquela manhã, sem garras
Com a
doçura da simetria lenta e selvagem
O
inverno germinou em meio ao silêncio
Um áspero
silêncio é o consolo esperado
Das fotos
amareladas dos sinos infância
Derramando
lágrimas entre maçãs sonolentas
Pelos
círculos selvagens e noturnos
Oh, que
visão! O fogo está de luto
A neve
bate nas ramas como mar de sal
Na
sombra extravagante do oblívio
Ele sabe
que a fúria é o outro lado do som
Que a areia
ferida sangra a terra abaixo
Os
trovões e seus cantos assustadores
São escravos
noticiando o vazio da chuva
Eu sei!
Porque de tristeza, dançam
Eu sei...
dessa amargura vertical
No espanto
do alfabeto derretido
Que
torna o poema imprevisível
Impossível
e gentil no segredo que guarda
Prólogo
O céu
da noite é como um negro mar de invisíveis conflitos
Que
persistem em seu movimento de arco rumo à luz do dia
O céu
que semelha um manto perfurado de brancos pontos
Desperta
os sentidos do poeta, que o observa e
o descreve
Do amor
O
pensamento verte ao amor, que é como o
trigo a crescer
No doce
contraste da noite com o clímax da fome de amar
Mas não
se extingue quando deixa corpos salgados de suor
Pois
que caminha pelas sendas paralelas até o nascer do sol
Da andança
O dia reconduz a novos pensamentos, uma ponta de saudade
Cada
passo da estrada, cada um, move-se em sua própria luz
Todas
as manhãs se reiniciam em sua vigília e faina solitárias
Que se
sucedem infindas, numa louca esfera de Sacrobosco
Da luta
Os
inimigos escondem suas armas obscuras, sua força oculta
Estende-nos
os dedos, mas para fazê-lo prisioneiro nesta vida
Para
conter seu surto de vontade, sua força, sua resistência
Para
tornar-nos frágeis e roubar o sentido de nossas palavras
Do sonho
A ação se
desenrola nas fábulas perpétuas da roda do tempo
Para fazer
grandioso um sopro de vida inicial que
recebemos
Para
eternizar o que fora transitório num único abrir de asas
Receber
todo o fogo de ser pássaro, voar rumo ao sol poente
Epílogo
As
realidades objetiva e subjetiva vão arar
o chão desta terra
O poeta
em seus laços com o infinito, traça os
versos no papel
Como as
margens paralelas de um rio, as sujeitam ao seu curso
Mas
alastra, linha a linha, pela geometria
própria de quem os lê