Assim um dia, descobri que posso
ver o que a foto não revela
A residir no horizonte interno, invernal e oculto pela
pálpebra
Tantos navios naufragados, deserdados neste poço de solidão
Ventos avaros, de um verão já distante,
solenes como ícones
Assim um dia, descobri que o mistério maior que eu já escondi
São fragmentos olvidados de mim, dos antigos silêncios carmim
Dos perfumes ociosos de jasmim, absolvidos de todo o pecado
Só por estarmos juntos, duas almas a habitar uma
só paisagem
Assim um dia, descobri que não se conhece da vida pela janela
Mas a imergir o império das esperas melancólicas dos domingos
Perscrutar nos porões que se velaram as mais
densas tristezas
Ouvir as vozes anônimas da verdade que
desafia nossa higidez
Assim um dia, descobri o poema, amigo ora
sublime, ora cruel
A retratar o martírio de quem se abandonou a sonhar o amor
Em vocábulos ceifados do peito, ancorados na folha de papel
Cristalinos como as auroras ou sombrios quais noites sem luar
O poema dilacera os mistérios da linguagem, santa ou meretriz
Fere de morte a inércia da língua e salta da
página ao coração
Nenhum comentário:
Postar um comentário