terça-feira, dezembro 10

Cedo Demais

Agora que a infância é apenas uma vaga lembrança
Penso que despertamos para as lutas cedo demais
Não nos foi permitido ter tempo para amadurecer
 
Foi nesse ponto que nos conhecemos, parecia real
Juntos por fartas estações e estações, sóis e luas
Palrando pelo dia, saboreando o silêncio da noite
 
Tão longe encontramo-nos da terra que nascemos
O tempo não nos dá trégua, o ponteiro gira veloz
Se cairmos devemos nos erguer antes de nos curar
 
Estes são tempos excêntricos e o futuro é agora
Mal podemos olhar o céu e nem podemos sonhar
O calendário já não aponta os primeiros suspiros
 
Folguedos não há mais se bem que busquemos jogos
Brincamos à beira mar ao som do mar a nos guiar 
Apreciando as cores poucas que se pode observar
 
Ondas vem e vão, eu ansiando margear teu coração
E tu também voltavas, voltavas sempre a me olhar
O barco navegando em silêncio em busca da terra
 
Há lembranças contraditórias que se estabelecem
Em nosso coração a fazer um viveiro de estátuas
Um momento na tarde a cabeça sobre o teu peito
 
E éramos os dois assíduos á chuva de fim de noite
E ali nós de mãos entrelaçadas e coração sonolento
Assim caminhamos no túnel secreto do amanhecer


terça-feira, dezembro 3

Ela

Ela fora uma mulher parecida com a palavra nunca
Nunca vi ninguém de tal beleza qual um dia de sol
Seu encanto e sua nudez eram de encher os olhos
A qual para lidar é preciso saber de esquecimento
Dentro de mim ela se instalou tal maresia de verão
Meu interior se fez em pedaços de amor e de fúria
Senhora de mim era chuva mansa na minha solidão
A noite iluminada de estrelas quando me fez sonhar
A luz dos caminhos em meus momentos de dúvida
Tinha a inocência nos olhos e a volúpia nos lábios
Tinha a pureza no caminhar, luxúria ao me abraçar
Se me permitirem mentir, direi que nunca a desejei
Se me permitirem escolher, escolherei tê-la comigo
Ela era uma mulher parecida com a palavra nunca
Mas que sempre quis ter ao lado até o fim da vida


segunda-feira, dezembro 2

Posse

 São teus, meu som
Meu sangue
Minha boca
E as mãos
É de ti
Minha solidão
Meu olvido
É meu teu rosto
Tua sombra
Tua boca
Tuas coxas
Da noite
A tormenta
Da luz
O fogo
O que constróis
É o que destróis
É outono
Num dia de maio



Bagagem

O que guardaremos quando as luzes apagarem na vida
Não o poder, nem o sucesso, isso tudo será esquecido
Mas o que viverá é aquele menino de alegrias efêmeras
Prazeres fugazes de quando aprendia a nomear coisas
O eco da voz em cada pronúncia de palavra aprendida
 
Também nos acompanharão as pequenas doces coisas
A flor de laranjeira e os pássaros a cantar pelos galhos
O aroma das alfazemas do campo, o afeto de abraços
Lá no fundo dos sonhos, residirá um quê de remorso
A pedra no estilingue, o pássaro caído, o canto calado
 
Comigo levarei o toque primevo do amor descoberto
Notas de romance compassado, sentir um leve flutuar
Que tão absorto me fez, no delicado contato da pele
Porém descobri que as juras eram só rumor do vento
Soprando os ipês roxos sem flores, sem perfume ou cor
 
Faço-me levar comigo, também, o que não teve brilho
A inocência há muito perdida e as ilusões rescindidas
Fermentadas em crus silêncios tensos e intermináveis
As estações fechadas do trem que já há muito partiu
E não pude embarcar. Hoje é só a distância do adeus
 
Vou levar no peito o som retumbante das marés altas
A imagem das roupas tal bandeiras suspensas no varal
Das noites que trocávamos carícias até o amanhecer
As lembranças contraditórias arraigadas no coração
A palavra, qual um punhal, devorada na boca faminta


segunda-feira, novembro 25

Sina

As nuvens anunciam o outono pelos caminhos cotidianos
Rompo com os pronomes e ébrio de verbos avanço no dia
Assim o poema que acha de ser um tanto qual os mortais
O homem ajoelha em silêncio e é qual a pedra seca do rio
Não guarda nada do rio que, quando caudaloso, a cobria
Um grão d’areia nos degraus seculares a ver passar a hora
A ouvir o pio de corujas crepusculares e outras criaturas
No movimento menor do cavalo, parte o último ceifador
Enfrento a morte com a morte, será mesmo um prodígio?
Como o mineiro que ao sair da mina cobre os olhos da luz
O silêncio que fica a esperar o primeiro ruído para partir
Esboço nos lábios um sorriso de assombro, de coisas reais
A febre flameja com docilidade dentre as tulipas frágeis
A imagem que mostra o espelho é eco do que o homem é
Assim o somos, um eco da própria existência nesta terra
Uma nesga do que um dia pretendíamos ser, quando pó
E na iminência de voltar a ser pó, vivemos na inquietude
De jamais vir a ser, de descobrir que ser homem não basta
Que essa coisa de ter nascido na aurora, um dia morrerá
E o horizonte não é uma linha estendida entre céu e mar
Precisamos é fazer voltar os pássaros e o cheiro do anis
Ser a palavra lançada da boca, caída no seio da verdade
De que longínquo sonho caímos? Que futuro nos legará
A triste sina é que em verdade somos não mais que ondas
Nos levantamos, rugimos, para depois voltarmos a ser mar

 


Anacreôntica

O caminho
É torto
O dia
É longo
O sol sinto
na pele
Mas é escuro
Paro
Abro os olhos
Eis!
A palavra
não dita
Vem a mim
calou-me
Já não há
propósito
Nada é
qual o vês
O papel não
serve mais
O pranto não
serve mais
O dia
É torto
O caminho
É longo


quinta-feira, novembro 14

Café da Manhã

E assim a distância suspirou arranhando as fronteiras do céu
Entre pilhas de papeis alvos onde virão a frutificar os poemas
Velozes estilhaços entre as mãos, flores multicores do jardim
Ouço o som cálido do teu feitiço entre lençóis e sinto-me só
No silencioso ato de lembrar-me de ti, de semanas a semanas
Atormentado na linha do mistério, na parte sutil do devaneio
Ao longe te contemplava, o teu perfume inundando as horas
Reviro minhas gavetas cotidianas para que devolvam a calma
Para rever teu o sorriso perturbador, cachecol xadrez solto
Qual os canteiros verde-escuros e seus malmequeres ocultos
Busquei a verdade como quem ouviu o som da chuva caindo
Mas o sol luziu na sacada sobre a roupa pendurada no varal
Senti-me um estrangeiro neste mundo de colarinho engomado
Camisas de brancos virgens, que guardam tão pouco de mim
Mas amo teus lábios de papoulas que me saúdam sem limite
São o ópio que me entorpece, o porto seguro de meu abrigo
Os anjos sussurram-me arcanos nesta noite em que te recrio
Na minha linguagem de palavras sombrias, de bolas de cristal
Passo a passo, enfim compreendo tua necessidade de ir e vir
Porém hoje te vim buscar, já não me basta te ver num sonho
Quero o calor de nossa cama indormida até o café da manhã

 


terça-feira, novembro 12

O Segredo da Lua

A tarde é um céu opaco na tristeza do entardecer
Impera um propício silêncio a preceder o temporal
Com o pensamento que germina em todas solidões
Minha voz nutre-se do alento, na memória do rosal
No tempo insone que separa a folha receber a flor
Nas voltas decompostas do relógio em turvas horas
A peculiar atmosfera enquanto se aguarda a chuva
As ideias me desertam na espera que a tarde impôs
A crueldade do calendário de saber tantos ontens
Mas a fugidia incerteza de que será algum amanhã
As nuvens, num esgar colérico, troam relâmpagos
Indiferente o ancião bafora seu corroto cachimbo
Cotovelos fincados na janela do outro lado da rua
Sob esfera celeste tão gris algo desgoverna em mim
Como poderia diante dessa tão refinada paisagem
Não sentir falta em assoladora e remota ausência
Não, não queria e nem vou dizer nada dessa falta
Porém nessa ardente flora que nasce da ausência
Não colherei flor alguma. A lua e seu porte grácil
Espalha sua luz pelo céu que as nuvens segredam


sexta-feira, novembro 8

Tuas Letras

Quando o inverno já apontava na instabilidade dos meus dias
Tu entraste em minha vida qual a neve no alto da cordilheira
Por mais que me recusasse, tu brilhaste em mim como um sol
Eu que era crepúsculo, minhas pétreas premissas desabaram
Quando me beijaste nos lábios ao vento noturno à beira-mar
A imagem de teus cabelos esvoaçantes não me sai da cabeça
Tuas carícias, qual fugidio vinho, percorrem minhas artérias
Sob a lua das ilusões minha voz recita versos até o alvorecer
E eu, vítima de teu feitiço, perdi-me no sonho de tua vinda
Teu incandescente beijo carmim que me fez ébrio de desejo
E desnorteia o coração que em meu peito palpita acelerado
Com tua pele de luz resplandecente a iluminar meu caminho
Chama incessante, assim viajo pelas dimensões de teu olhar
Minhas noites cintilam por ti e os astros e estrelas são tuas
Galáxias inteiras ou um único vagalume perdido, é só por ti
Este poema também é teu, afinal, és tu a razão destas letras

quinta-feira, novembro 7

Desafio

É tão fugaz e esquivo dar vida ao mistério das palavras
As poesias desde sempre entranhadas em meu coração
Mas nem assim me pertencem, assumo, mas me habitam
Numa vida que tive tanto que andar e de me desgarrar
Inquieto-me em poder dar ao bronze formas e essência
Súbito descubro que ao festim foi convidada a solidão
Faço com que a melancolia seja nada mais que desafio
Prosseguir jogando o jogo entre todas as minhas idades
Onde os pássaros cavalgam os ventos, acima das ondas
Abrir a janela, aspirar o campo, o cheiro de terra úmida
E recordar da brisa que se entremeia entre os arbustos
Mesmo quando dói trilhar pelo caminho da maturidade
Esquivando-se dos ritos, consultando signos e oráculos
Recorda hoje as vozes de outrora baterem à tua porta
Relembra da esperança amanhã, porque nunca foi fácil
Pois aqui estou como menino a cantar velhas canções
A sorver o novo poema, tal quem sorve a taça de vinho
O poema mais lúcido de um novo implacável anoitecer



terça-feira, outubro 29

Mutuamente

Corpos noturnos entrelaçados, artífices da memória e do desejo
Minha pele de homem, a tua pele de mulher em verdadeira nudez
Que nem a luz do sol, nem a fúria do oceano conseguiria separar
A terra toda silencia diante de nós, corpos tomados pela volúpia
Corpo e alma reunidos, juntos somos o melhor de nossa história
Reunidos somente por vontade, a nudez é a nossa maior lucidez
Meu corpo ereto amanhecendo no teu é o que me torna humano
Corpo nu que me acolhe, tua gruta onde vida e morte coexistem
A noite que aos olhos do mundo nos esconde não nos traz limite
Olhar no olhar, inscientes ao que nos rodeia, falamos em silêncio
Sentados frente a frente, num ininterrupto balanço de vai e vem
Nesse movimento tal um sonho, o abraço nos liberta das amarras
É a vida que cruza arcaicos limites, não mais oculto ou surpresa
Lá estamos nós a nos descobrir, qual paladinos do mutuo prazer

Herança

O crepúsculo é o triste estandarte de nosso adeus
É uma cidade distante onde mora o esquecimento
Mas em mim ainda tremula a flâmula de teu sorriso
Que tinha como mastro e morada esses teus lábios
Essa é a herança que me coube dos antigos verões
Onde tu eras o monumento que adornava o parque
Porém também eras a árvore com raízes na mentira
Onde tantos versos que plantei nunca viraram flor
E a porta do jardim, indefesa, continua entreaberta
Minha cabeça hospeda sonhos não compartilhados
Um madrigal no canto de azuis pássaros vespertinos
Mas a voz que quis ouvir, se fez tão só de silêncio
Caminhei tantos caminhos margeados de espinhos
As pessoas que achei, não disfarçam tua ausência
Hoje ouço um lamento remoto, sob o céu sem luar
Sei que é tua voz atônita, sombria, no ar de outono
Qual não ouvisse mais o vento que trazia os poemas
Que um dia foram teus, mas ora voam outros ares
Sei que teu olhar perdido não pode ver a paisagem
Redescobri em meu peito um novo mar de palavras
Onde teu barco, partido, já não pode mais navegar


domingo, outubro 27

Letras de Outrora

Bem cedo talvez meia noite o poeta empunha o lápis como adaga
Derrama sua dor no papel, ferindo-lhe a carne estéril em grafite
Usa de vestígios de um alfabeto inventado e renomeia a ilusão
Busca esquivar-se de alguma obscurescência aguda da memória
Afinal qual de nós teria um contador de sonhos atado no pulso
 
O ruído do cão roer uma cruz de madeira arranha meus ouvidos
Busco conforto, deito a cabeça em meu travesseiro de chumbo
Enterrado no pesadelo que não amanhece e as portas não abrem
Repousa no ar um rumor espertinado, o cão geme e eu o maldigo
Se a morte é certa e indecifrável já guardei a moeda de Caronte
 
Acordando de um sono profundo, deparo que o outono chegou
Não deixo que se envenene a esperança, um complô, um ataúde
Essas folhas vermelhas, por vezes as pérolas prateadas pelo céu
A hera emaranhada no salgueiro, os graciosos lírios perfumados
Porém, essa nostalgia de desejo vestida do uniforme dos séculos
 
É o mito que o beija flor canta, acende novo fogo, outra paixão
Permito que o astrolábio me guie nas idas e vindas às estrelas
A solidão é um engano, um tipo de feitiço, um simples impulso
Antes de ser um nome verdadeiro que se discerne de estar só
O poeta olha para si mesmo e reconhece que venceu no escuro
 
Tiro o pó das velhas cartas no fundo da gaveta desta dor eterna
Escondo-me entre as ruínas dos antigos gestos, ora congelados
Escreverei uma canção orlada de flores violentas e da palavra sol
Que o delírio da noite que amanhece, ouve, mas não a entende
Uma palavra tão além das letras de agora, verbo, terra e canto
 
 


quarta-feira, outubro 23

Salvação

É de manhã, o sonho se foi, bem-vindo o caos do dia
Vestimos nossa face acolhedora, mesmo em angústia
A caminhar por tortos caminhos errantes e remotos
O que viria como salvação? O amor, a fé, ou o poema
 
Não há lugar na noite para o mutável ímpeto do amor
Não temos tempo para saber tudo, sequer amar tudo
Mal há tempo para fumar um cigarro antes da chuva
Tal qual lágrimas cadentes que ninguém sabe porquê
Insistem saltar entre as pálpebras como ecos da noite
Apesar desse corpo que amanhece em nossos braços
O silêncio é a oração que nossos lábios sabem recitar
 
Pelas madrugadas, juramos fé sobre Seu nome em vão
Vigília que chegamos a cair, n’alguma vez, de joelhos
O que não bastou a Deus saber que estamos tão sós
E dar-nos do pão do divino antes do último aguaceiro
Esperando sentados à sombra dos tamboris a partida
Nos trens negros do crepúsculo a derradeira viagem
 
O verso é o que pode nos mitigar tais palavras rudes
De um compêndio mal escrito nas linhas d’alma rôta
O que vale é nos divorciarmos da mácula do silêncio
Que aumenta tardiamente na noite, de gota em gota
Enquanto a rua se esvazia e pelejamos a desatar o nó
Nó sentido na garganta quando notamos que a morte
Vai acercar-se prematuramente e não podemos evitar
 
Assim constatamos nossa incompetência à eternidade
Fazendo-nos crer distantes de algum fio de salvação
Senão pelo poema, qual o filho que nos carrega nome
Pelo mundo, aguerridamente, dando cor a todo cinza

 


Impossível

Se não me fosse concedido querer-te
Se me fosse impossível te fazer sorrir
Seria a borboleta que pousa no pólen
E espalhar teu perfume onde pousar
 
Se de meus olhos estivesses distante
Se me fosse impossível só te abraçar
Seria beija-flor a segredar ao ouvido
Quem sabe assim para te conquistar
 
Se meu poema se tornar triste e feio
Até me fosse impossível te escrever
Seria o sabiá a te cantar em gorjeio
Entre as árvores o meu amor contar
 
Se não pudesse ter visto teus lábios
E fosse impossível os tocar nos meus
Seria o suspiro que deixam escapar
Quando a lua desponta para te ver
 
Quão frio assim seria o meu coração
Se não lesse em braile o bater do teu

 


Breve manual para amar de verdade


O murmúrio semântico num céu ocre nas tardes de tormenta
Vem tatuar indelevelmente com suas agulhas e tintas minerais
A face do ente amado ausente em nosso coração angustiado
Projeta-a nesse instante contra o gris d’um mundo ultrajante
 
Grava suas marcas, profundos estigmas na essência do existir
O amor vem a nós em conta gotas tentando inundar a solidão
Buscando o feito impossível de apagar a nota amarga da vida
A desconstruir as asas de chumbo e a longitude da distância

No mesmo ato que ordena negros ideogramas e anjos ocultos
O amor ordena a vida ao nosso redor, qual breves lagos de ar
Na clara pretensão de inventar rosas vermelhas sem espinhos
E o ambíguo conceito que podemos doá-las à mulher amada
 
 Quando a verdade se subjaz à crua conveniência do momento
Só o poema, recitado numa voz límpida mantém o equilíbrio
E a harmonia sem veladuras desmemoriais a alterar os fatos
Entregues aos trigais dourados pelo sol e ondulantes ao vento
 
Quando estia e a tarde recobra seu brilho, mínimos rumores
De um retorno tão esperado, vêm nos salvar desse cativeiro
Fazem a construção de uma música clara e aroma de jasmim
De curva sonora com ritmo de coração, sem outro pretexto
 
Concluímos que, de tudo, o que importa é vencer as chuvas
Um amor cotidiano e permanente, não só debaixo dos lençóis
Assim pode cantar o amor nudez conservando sua inocência
E nossas gargantas podem se declarar num sentimento maior

quarta-feira, outubro 16

Ser ou não ser

 

Não sou
a pele que me envolve
Sou mais
do que há de
desejável em mim
Não sou
minha conta no banco
Sou mais
do que há de
indesejável em mim
Não sou
o que a circunstância exige
Sou mais
do que já pude elencar
Não sou
Qualquer estereótipo de TV
Sou mais
do que uma rebeldia imotivada
 
O carma segue na sua marcha, inevitavelmente
Como planejado, resultando nas emblemáticas
E fictas espirais insertas no mundo de infinitos
universos que, refletidos nos espelhos já baços,
Se fundem num crucigrama de desejos alheios.
Pois não somos nem eu, nem tu, nem ninguém

Contradança

Tolo eu que acreditei que a morte era só outra forma de ser
Mas, a terra se abriu e tragou tua imagem para nunca voltar
E sobre o mármore frio, escada de cru silêncio, só uma foto
Que tempo evanescerá como as outras que vi pelo caminho
Acho que levaste contigo o canto dos pássaros da alvorada
É como se uma maré de medo imóvel, tomasse conta de mim
Calando a pena de meus escritos, murando meus dicionários
Pois não descobri uma palavra justa que coubesse no poema
Ou que pudesse aliviar meu coração impávido diante do fim
Agora sei que a morte se assenta, dia a dia em nossos poros
Para nos cortejar sem que possamos presenciar ou impedi-la
Com sua sombra tecida de tempo, em labirintos intangíveis
Sem nomes, deixando para trás todas ilusões e esperanças
Enquanto nos perdemos em detalhes somenos importantes
E nosso tempo de vida incerto esvaindo em gestos inócuos
Questiúnculas sem razões e logo tudo conhecido se desfaz
Tudo que já fomos se evapora, senão uns átomos teimosos
Vivos no armazém da memória num quebra-cabeça infinito
Que vão reiniciar a dança e contradança do que já fomos
E no oblívio azul, esquecidos de tudo, quiçá, fazer melhor



Lua Nova

Musa onde te escondes, o dia parte já triste sem ti
O sol se esconde do dia num horizonte em chamas
Divide o céu entre brisa tépida e vento frio do sul
Eu escondo parte de mim em teu corpo em chamas
Qual uma rubra linha divisória entre o bem e o mal
A lua desponta prata sob um negro toldo estrelado
Recortado pelas montanhas de um verde indistinto
No teu olhar sereno, o que restou do dia de verão
Teu perfil à janela, recorta a noite em luz e beleza
De seios qual peras és o jardim do éden renascido
Teu torso esguio de palmeira, um paraíso tropical
No quadril violão reside a música que me estimula
Meu novo mundo, onde cintila uma nova estação
De tanta vida e luz, se invejam primavera e verão
Quedo-me de joelhos ante teus lábios encarnados
A nudez de teu corpo, é igreja de minha devoção
Na liturgia das tuas doces palavras, és meu poema
Mar fulgurante de vida, em tuas praias a repousar
Na sombra de tua gruta apuro meu suave paladar
Enquanto não voltas todas noites são de lua nova
Mostra-te amada e devolve o brilho a este mundo