sexta-feira, fevereiro 14

A Cæsar

Meus despertares de poeta nunca me trarão riqueza
Contudo, não sei deixar meus dedos vazios e calados
Não basta a meus olhos olharem as coisas do mundo
Se vejo a solene angústia dos hospitais e das calçadas
Da cidade enferma rodeada de silêncio, de escuridão
Nas marquises apinhadas da sociedade de olvidados
São miseráveis a quem viramos o rosto para não ver
A acolhedora cidade onde cresci, sofre dessa febre
E ignora essa gente silenciosa que brota com a noite
O que posso eu, um poeta, se não o fazem poderosos
Enquanto as fábricas apagam as luzes e engrenagens
Os togados se jactam de virtudes há tanto excluídas
Que hino cantarei se o hino pátrio é quase subversão
Se o sabiá já não tem palmeiras e nem podem gorjear
Se o verde amarelo agride aos senhores de verdades
Tão escuras e frágeis, qual vampiros ocultados da luz
E suas malditas estórias golpistas, contos fabricados
Nossa gente nos subúrbios calados pela fome e medo
Mas, não olvidem, pois nós estamos por toda a parte
Nosso verso restaurará a beleza nunca d’antes vista
Somos o verso, mas também o reverso de suas moedas
E dando a César o que é de César, o troco ainda virá

 

quinta-feira, fevereiro 13

Mosaico

 Meu pensamento se retorce em um mosaico
De pequenas palavras que colam-se entre si
Voo entre as folhagens verdes e vespertinas
Para esboçar pontes de tinta sobre abismos
De minha percepção, na tarde, pelas janelas
Vejo um olhar tênue, teço palavras, acentos
Vejo espelhos onde ficou a nossa juventude
Enquanto ouso desvendar sigilos cotidianos
Alento imperceptível nas margens do existir
Carrego na alma sementes do silêncio diário
Dos negros presságios tatuados na memória
Restos do amor que se fala, mas não se vive
Se a estrada da vida se assemelha ao sonho
Sonharei que o sol chegará incandescente
Em sua capa de ouro para olvidar a lágrima
Toda essa tristeza milenar inscrita no tempo
Tal a cicatriz oxidada que ontem era ferida
Perder-se-á no labirinto de asfalto da cidade
Que desliza na noite com cheiro de jasmim
 

quinta-feira, fevereiro 6

Não, não

Não, não sorrias
Dois olhos tristes
Te caem tão bem
Meus lábios arrependidos
Balbuciam teu nome
Para ver-te chegar
Não, não digas
Deixa-me acreditar
Tua voz tranquila
A minha eloquente
Em teu ar de amor
Não, não chores
Cantes baixinho
O rumor da chuva
Irá te acompanhar
Não o silêncio
As lágrimas no poema
Não te pertencem
Não, não te vás
Ao passar a porta
Na segunda página
O amor perdido
Enfim te encontrou


A Sólida Sinfonia da Mudança

Allegro giusto
Das profundezas de tua angústia, ouça o chamado mágico
É tempo de rescrever tua mente e deixar agonias para trás
Prove que tu és aquele homem, o qual sempre disseste ser
E deixes de andar em círculos numa perda inútil de tempo
 
Em uma mínima gota de orvalho, pode conter um universo
Veja nela o reflexo do sol, que aponta a um novo caminho
O qual começa logo ali na esquina e se perde no horizonte
Para cruzar a linha que fica entre estes versos e o silêncio
 
Sostenuto, ma non troppo
Muitas estações passaram desde que deixei tudo para trás
Descobri então que mudar pede que eu seja o meu mestre
Crucifiquei todos aqueles abismos que habitavam em mim
Foi assim que me encontrei, que me fiz novamente inteiro
 
O ódio é inimigo da coragem, cega os olhos e traz o medo
Grava-se nas palavras e eclipsa a lógica e o entendimento
Então vem o silêncio, terreno que é fértil para o desamor
Blinda o peito de sentimentos e rescinde todos os sonhos
 
Adágio largo e mesto
A realidade se assusta com o chamado da memória crua
A navegar por mares de vazio que um dia já se conheceu
Finge cruzar ao outro lado somente para tentar ocultar
A culpa que deixou suas pegadas nos caminhos da noite
 
Há quem se contente de olhar tristemente para os erros
Há quem chore, pois chorar evita ter visões mais claras
Mas, honestamente, quantos e a quais isso pode enganar
Se não tomar as rédeas e enveredar por novos caminhos
 
Andante con spirito
A maioria das pessoas não se satisfaz, mas nunca é tarde
Meneio a cabeça, a verdade não está justo numa palavra
Concebo as respostas, mas as perguntas estão em sonho
São as sementes que espero germinar o dia que chegares
 
As flores exalarão seu perfume na cálida brisa das tardes
A emoção revelar-se-á por imagens, na música construirá
O poema se expande pregado na porta colorida do tempo
Imagino um futuro mais claro, vivendo a vida ao teu lado 

Pegadas na Areia

Poeta, porque apagas da folha teus escritos
Como a maré alta apaga da areia as pegadas
Sem misericórdia, recuar o papel ao branco
Qual quem após a perda, flerte com a ilusão
Todavia, saibas que o tempo não volta atrás
E na folha quase branca restará um balbucio
Do que já fora ontem escrito a te denunciar
Como resta no fundo do peito a melancolia
Mágoa que se prolifera tal qual erva daninha
 
E lá ainda estará tua musa tão leda e faceira
Como no dia que partiu, antes de raiar o sol
E tu que lhe lavraste e semeaste teus versos
Ora queres negar que a ela fosse a tua lavra
Saibas que resta nos dedos uma nódoa azul
Que sem saber a pena a adquiriu no tinteiro
Tão fresca, úmida e fértil pronta a germinar
Palavras cortesãs que tu almejavas tão fiéis
Ainda cintilam e não te permitem olvidá-las
 
Não julgues que o cântaro irá transbordar
Sem que te empenhes a levá-lo à nascente
Não esperes a maça madura no frio inverno
Ainda ardem os olhos sob a luz do deserto
Do peito vazio, silabas fugidias das frases
Não são, qual serpentes, boas conselheiras
É chegada a hora de apenas virar a página
No silêncio tangível e cintilante do oblívio
Retomar tua vida dos demônios d’antanho