Nestas horas sonolentas da noite, cobra-me o tiquetaquear desse relógio
Vir o sono, eivado de solidão e amontoado de minutos ocos e horas vazias
Mas ao invés de dormir tomo a rédea de seres alados, rumo às distâncias
Amanhã cobrar-me-á o despertador que tenha salvo no sonho a esperança
Tu a quem Morfeu cerra os olhos e não imagina o vento etérico que sopra
Como um açoite encolerizado, troando entre o criado mudo e a cabeceira
Antes que o ouro solar irrompa pelas frestas da tua janela tenha atenção!
Que não te acorde o frenesi embriagante das areias de um tempo mágico
Que te clamará a presença por lugares tão familiares quão desconhecidos
Os quadros à tua volta abrirão caminhos para que por eles, curioso, sigas
Por entre as tintas de paisagens amarelecidas desses outonos imaginários
Onde do cimo da sela se ouve verbalizar os gritos amordaçados da utopia
E creia, é tudo real. Mas só o musgo da sabedoria acalmará essas dúvidas
Em meio à morna madorra viajarás se não te magoares com tanta arritmia
O tempo é um eco do tempo e díspar daquele tão milimétrico que admites
Em meus sonhos a noite acontece numa exata proporção de luz e sombra
E assim é que o poema se cria, sem ressalva ou impaciência, já pela manhã
Tudo mais, retas e curvas, residem na promessa viva de uma nova estrofe
Não olvides, mais que vocábulo e verso é a entrelinha que toca ao coração
Se escrever é fazer mágica, sou um mago; se for transformar, sou alquimista; se for dominar mistérios, então sou bruxo. Vim transmutar sentimentos em palavras e vice-versa. Os poemas falam de imagens, sentimentos e sonhos. Tudo se passa na vida real ou na surreal. Ao lê-los tenha atenção ao que está oculto nas entrelinhas. Deixe que os versos te levem onde o vento quiser levar. A musa de meus poemas é a vida. Estejam atentos, pois as palavras são metade de quem escreve e metade de quem lê.
terça-feira, abril 29
Amanhã
quinta-feira, abril 24
Irremediavelmente
Vejo-te tal o pássaro lascivo, que se aventurou na minha pele
Estrela despontada num céu de sonho, abrasada pelo querer
Que me beija, como se beija o fruto da doçura dos mistérios
E nos momentos de quietude povoa meu corpo até se saciar
E é assim que tua lembrança floresce no meu mundo surreal
Tatuando-me em segredo os signos onde pretendes me levar
Enquanto ainda ecoam pela casa, entre sussurros de prazer
Dias que perfazem em enigmas à espera de entregas de amor
Quando este, insensível, ousa me dizer que é hora de partir
quarta-feira, abril 16
Rosa dos Ventos
Esse suceder de estações, antigos passos pela escada
Debaixo da lua de um abril onde floresçam os trigais
Derramado na calçada ao pé dos sonhos irrealizados
A rua brilha na chuva debaixo de luminárias amarelas
Retrato num epitalâmio o amor das ondas e as areias
Na boca da noite, cintila a celebração dos contrários
Lavrando essências de esperança, liberdade e olvido
Ah, essa minha mania de amar-te viva, porém és lenda
Para amar-te criança pela loura mirada do horizonte
Eternamente amar-te em silêncio qual fosse um deus
segunda-feira, abril 14
Despedida
Algo tal o que fica entre as lembranças e as cinzas
Que são fruto do medo de sobreviver ao abandono
E afeiçoarmos à solidão quando morta no coração
Toda a ilusão e não mais sonhar, apenas adormecer
Tão pior quando atinge a mão que empunha a pena
Que se faz sossego, não mais o ponto de resistência
Mas se torna parecida com o que sempre combateu
Nossos últimos arrependimentos, o poço profundo
Dores que não revelo, pelos caminhos desse mundo
Viro a próxima página ainda é sonho, o novo poema
As lágrimas caem do céu, da sombra azul do abismo
O sol que nasce na amplidão e ergue o véu da noite
A noite antiga se desfaz no delírio em cor de ouro
E o dia afasta as sombras na reafirmação do tempo
O amor que ela rejeita e que breve olvida a dança
Recolhe asas, segue tropego por caminhos ásperos
De súbito os corpos passam a correr; é o recomeço
Tem início no grande drama, a voz obliqua na boca
O trigo cresce nesta lenda, a disputa de contrários
O sonho frágil, a fábula compõe parte da realidade
O sábio lê o poema, então segue leve qual a nuvem
quarta-feira, abril 9
Chão de Barro
Desd’aquela velha casa de tijolos, de chão de barro
Ali debaixo do teto nas travessas de madeira nobre
Sopravam vozes do vento, me ensinando a alucinação
De caminhar sempre em frente por todos caminhos
Dentro e fora dos sonhos perfumados como jasmins
Amar me ensinou o sentimento que ilumina a noite
Mas, ensinou também que o céu é a ilusão em azul
Fui assim descobrir o amargo da lágrima na distância
Na música tocada nas tardes, ao ranger da carroça
Velhas e lentas rodas, a circular tal qual o destino
Que faz escolher o caminho, não se sabe o porquê
terça-feira, abril 8
Venta Vento
De caligrafia e voz frágeis vivi a dúvida sobre minha arte
Sem, todavia, permitir a sombra se apossar de minh’alma
Assim poder falar às cinco da tarde de fome e de desejo
Para ser violino, contudo soar muito mais como um oboé
Rebelar-se contra a tristeza qual um trem desgovernado
Espalhar arpejos iluminados por lembrar do amor que foi
E no litígio dos dias desaprender a odiar, é de novo abril
Não temer, prematuramente, pelo inferno ou um abismo
No final do caminho que antes caminhava olhando o céu
Nada se avista o que já ruiu detrás da névoa de outono
Na capa do poema onde teu nome, dourado, ainda vibra
quarta-feira, abril 2
Inodora
Ah,
essa solidão que é feita de toda tua ausência
Um território irreversível toda vez que não estás
Que se cria quando a razão se faz de sentimento
Para delinear o contorno da realidade e do sonho
Esse purgatório que se gera em céus sem estrelas
Adoraria que os relógios parassem na madrugada
Antes que meu coração sangre na tua despedida
Que pudesses te render às armas do meu silêncio
Do meu olhar inundado que dispensa as palavras
Para assim me permitires de novo te enlouquecer
Queria alcançar a razão indecifrável de tuas idas
Abdicando da conveniência em favor da verdade
O porquê te vais se tua boca inda busca a minha
Se trazemos à tona, animal liberto, todo esse cio
Que nenhum labirinto de cimento pode esconder
Só o poema amainará a sina febril dessa ausência
Essa dor necessária, rosa inodora, pétala sem cor