quinta-feira, março 23

Sexto Sentido

Decidi sair de tua vida contemporânea e medíocre
Como é o dia que não se põe o nariz fora da janela
Tuas atitudes descuidadas e frouxas sem objetivo
Tua mão sempre nervosa e teu habitual mal humor
Esses mistérios cotidianos, que fazes de conta ver
A fronte enrugada, a falsa umidade de teus olhos
Hoje sobrepõem-se às ilusões, que me permiti crer
Quando minha boca desejou os beijos de tua boca
Quando meus ouvidos ouviam tua voz nas buzinas
Mas, veio a chuva fria molhar meu rosto e acordei
Eu percebi que nunca surfamos numa mesma onda
Nunca voamos a qualquer céu na mesma corrente
Eu pensava-nos juntos na onda ou voo, indivisíveis
Agora sei que jamais sentimos o mesmo, invisíveis
Para ser racional, enfim liberar meu sexto-sentido
Deixo pra trás meus sentimentos espermo-uterinos
Meus sentidos firmes, bem educados, jamais infiel
Vejo tua figura se apequenando no meu retrovisor
E um sorriso incontido brota-me atrevido no lábio
Um gosto raro toma minha boca cheia de palavras
Como a pipa travessa e colorida em busca do céu
É. O outono me encontrou acariciando as nuvens


terça-feira, março 21

Caráter

      Querem que eu viole as leis, as ordens e os sistemas
Confesso não ter a capacidade que exige um absurdo
Não será assim que terei uma vida próspera e segura
Devo me desculpar por essas minhas lerdezas diárias
De meus erros, maiores ou menores, contra vontade
Mas não guardo alguma vergonha por essa bobagem
Pois eu posso transitar por planícies cheias de flores
Sei a resposta de perguntas que nunca foram feitas
E se quedar escuro sei de cor as linhas de teu rosto
Sei inventar estórias de horas etéreas e sonhadoras
Da doce liberdade e da ternura que mitiga solidões
Não entendes que neste século vinte um sou poeta
Posso viver sem saber contabilidade ou ser político
É verdade, tens razão, estou fora deste tempo, mas
Se um dia por eventualidade me levarem ao cárcere
É que presos estão, os que restaram do lado de fora

Ó Poema

Ó poema, nesse teu sonho de nuvem aquieta-me o pranto
Sou prisioneiro desta angústia que desponta no horizonte
Bato às portas fechadas do bem querer, estarás a dormir?
Não ouço o doce tilintar dos cristais estendidos ao vento
Nem o canto do pintassilgo nos ramos pálidos da amoreira
Abre-me as janelas às auroras dos teus mananciais de mel
Mostra-me o rumo nestes caminhos errantes de concreto
De volta aos cálidos riachos nos vinhedos da brisa estival
Para juntar-me aos pássaros em sua dança sedenta de ar
Ó poema sonha-me um novo destino na canção vespertina
Minh’alma inda lamenta sob o espelho da lua à meia-noite
Revive o fruto de verdes soledades nos orientes maduros
Redime-me no perfume das flores, no peitoral das janelas
Deixa rescender pelos campos o cheiro da terra molhada
Ao fim da chuva aprazível fresquíssima, pintes o arco-íris
Cantes cânticos de desmedida melodia de sons e silêncios
Faz-me ouvir o assíduo beijar terno das ondas à beira mar
Em meu peito povoam ânsias secretas, na espada e o lírio
Ó poema, derrama do teu doce orvalho neste meu delírio

segunda-feira, março 20

Nada

Meu primeiro gesto foi romper os grilhões do desespero
Encontrar as chaves para não voltar a errar ou me iludir
Mas antes eu precisava esquecer, quem eras e quem fui
Mas a semente de meu coração ceifado, enfim frutifica
A ironia é saber que tu dizes, que perdeste mais que eu
Será que faltou do céu que dizias: véu cinza de palavras
Não tens moldura bastante para exibires fictas pinturas
Daquilo que nunca viveste, do amor que não entregaste
Quiçá tivesses visto o meu olhar refletido na tua espada
Verias que minha arma é a verdade, minha defesa a asa
Acordo a cada dia, com a boca amarga do que não disse
Apenas por querer não te magoar, só por ser verdadeiro
Gastei muito tempo para pôr em pé meu corpo dolorido
Quando 0 silêncio atroz vestiu o lugar da rosa vermelha
E agora é hora de caminhar, deixar a melancolia de lado
Recobrir todas paredes com pastilhas coloridas e cantar
Aliviar o coração desintegrado do dia a dia de segredos
De olvidar este quase luto, corroído de tanto tormento
Pois cerrei os olhos e teu grito já não me queima a alma
Abdicaste do abraço e das palavras, esse nada só é teu


sábado, março 18

Palavras Encurraladas

Sei da morte próxima, quando morrem as margaridas
O fato é inevitável, mas ninguém idealiza por morrer
Gladiamos ao espelho, obscuros prélios com as rugas
Ter o rosto que nem é nosso rosto, se dita a verdade
Mas, não temos a mesma assiduidade para os amigos
Olvidamo-os em adversidade, cativos das aparências
Se não trazes abraços, é melhor fechar o livro e até
 
No teu olhar escuro, fulge uma tormenta à espreita
Todos sabemos que a chuva é longa e o vento sopra
Podes abrasar campos de relógios, o tempo não para
De nada adianta se esconder, quando se é o predador
Se todo dia cruzamos a duvidosa linha do bem e mal
De sentir alívio por saber que há mais pobres que tu
Tereis largado mão dos reais significados de triunfo
 
Só o fogo é sempre jovem, ao voo de tantas línguas
Que caminham devorando o que acham pela frente
Sua avidez devora até fartar e suicida-se à beira rio
Mas a nós resta tentar voar, na imaturidade do voo
Nuvem no céu não é prenúncio de noites estreladas
Sobre a terra, os restos do sol rubro ainda refulgem
Na minha espera, a tarde redobra os aromas felizes
 
E eu que queria não deixar as palavras encurraladas


Estações

O frio do sul não me trouxe jardins
Antes destroços de rotos jasmins
O leste mostrou-me sua umidade
E os rouxinóis perdidos na cidade
No oeste vi, invés de flores, espinhos
O gosto amargo do tanino dos vinhos
Ao norte havia um anjo amordaçado
Nas pedras do caminho empoeirado
A olhei nos olhos, vi sua íris, inocência
Soube ali mesmo um dia seria ausência
Senti a vertigem da perda juro quis fugir
Mas, tarde era e eu só pude sucumbir
Não resisti aquela essência de cristal
Entreguei-me. Cumpra-se a pena capital
Sem piedade, nas pedras pisadas do porto
Tu que lês, lês de um homem já morto
Vês-lhe as esplêndidas feridas e a dor
Do poeta insano que morreu de amor

quinta-feira, março 16

Apostaria na Poesia

Há pouco, a noite veio segredar que tu voltarás
Tergiversei, disfarcei, mas enfim, fingi acreditar
Então abri as janelas e suas tintas descascadas
A quem a lua finge emprestar seu azul prateado
Para olhar na curva da estrada onde te vi partir
Não acho que voltes. A noite mente ou inventa
Mas se fosse prá apostar eu apostaria na poesia
Fingirei esquecer o cio que percorria teu corpo
Quando eu me punha a mirar-te e tu descobrias
Então vinhas silenciosa, trazer beijos de veneno
Envolver-me n’um apertado abraço de serpente
E já que sempre fugiste de todo sentido comum
Não espero a verdade nem nos oráculos do tarô
E se eu tivesse que apostar, apostaria na poesia
Eu farei de conta que não te esperei noites a fio
Que te ver nada muda em mim, agita ou acelera
Que o sonho não domina, o real que faz sentido
Nas frias paragens indormidas dessa madrugada
Mas minhas emoções mutantes se não me calam
Fazem que as palavras neguem tudo o que digo
E se fosse para eu apostar, apostaria em poesia
              
Imaginei a poesia subjugando a morte, vitoriosa
Pondo-te em meus braços, sem te deixar partir


terça-feira, março 14

Olhos Cerrados

Dorme a madrugada na neblina silenciosa de olhos cerrados
Quem se atreve nessa penumbra de contrastes querer saber
Onde finda a jornada, quando tudo se esclarece vindo à luz
Memórias perdidas qual uma lembrança materna da infância
Ou do engano d’um amor juvenil, que se foi para nunca mais
Trazidas de volta, tal quem abriu caixas guardadas no sótão
Há quem diga que o advento da morte é algo assim, um filme
Onde se verá tudo aquilo que já passou e parecia esquecido
Num excêntrico pensar ver a árvore da raiz à copa mais alta
O mel e o fel, o delírio e o abandono, todo vento e calmaria
Porém não se pode voltar e repisar antigas pegadas na areia
Histórias de velhas marcas, que o vento oportuno já apagou
Nos labirintos da lembrança são só sentimentos desbotados
Pelas quais não se deve voltar a sofrer fazendo nova versão
A vida pede o agora límpido, sem olhar pelas vidraças baças
De outros dias, nem esperar as ilusões dos futuros incertos
Não fazem pães do trigal que o incêndio de ontem queimou


sábado, março 11

Justaposição

Os versos estão ao poema, como o sangue é às veias
Palavras de veia em veia, o sangue de verso em verso
Estrofes são trens de palavras que andam por linhas
Cada linha uma estação, verão ou inverno à escolha
Talvez um dia saibas diferenciar da música, o poema
Antes que vá mesclar ao corpo na meia noite escura
Mares de ideias flutuam sobre um abismo esquecido
Pois então escondo este pequeno poema sob pedras
A salvo das ternuras e de qualquer rumor de alegria
Que te desvie dos caminhos que escolheste a seguir
Há girassóis nas orlas do caminho justo nesta poesia
Como poderias sofrer em paz se em nada há sentido
Corvos em loucura voadora, voam sem saber porque
Até que a lua subida ao céu ponha fim a seu festejo
Dentro do peito guardo uma imagem de lírio, delírio
A distância beija a flor, de flor em flor, tal beija-flor
A luz das madressilvas, em coro, nos convida a calar
Talvez se possa entender, na inocência das crianças
Que se pode num só sorriso, entregar o melhor de si

sexta-feira, março 10

Que pena

No silêncio da noite, reminiscências vêm me invadir
Um pensamento, um segredo, torrentes de lágrimas
Chamo teu nome, mas sei que não poderás me ouvir
Se eu pudesse ser livre, voar como o pássaro antigo
Quebrar os grilhões dessa lembrança dentro de mim
Poderia correr pelos campos, caminhar entre trigais
Sentir a chuva fria bater no meu rosto, lavar a alma
Gritar selvagemente, à tarde rir despudoradamente
Com os braços abertos, cumprimentar o sol poente
Sentado à beira-mar e o livro que escrevi nas mãos


Solene

Olhos que me olham
A alma que me sorri
Nos versos desenho
Bela moça em cristal
Esperando o teu sinal
 
Minha angústia solene
A me exigir metáforas
Goteja palavras chuva
Palavras doces de sol
De ré, fá ou si bemol
 
Ar e terra, o sino toca
Em estranhas sintaxes
Busca estrelas a tocar
Musgo ao pé do muro
De cabala e esconjuro
 
O arco-íris pela noite
Abre asas de carícias
O fogo arde devagar
Exala aromas de flor
Moça quero teu amor


quarta-feira, março 8

Rua XV

Na rua XV, músicas e decepções vêm se misturar
Co’as mãos nos bolsos ele anda na madrugada fria
Ele busca a si sob o fulgor das lâmpadas amarelas
Do café pouco adiante vem o som d’um acordeão
Que toca um tango noturnal sobre dor e fracasso
A melodia triste abriu-lhe duras chagas incuradas
Rompendo amarras perigosas de lembranças vãs
Quem recordaria velhas histórias de dias outonais
Outro bar, u’a voz feminina canta ao som do piano
Fala de vingança e perdão e a noite se faz tão fria
Fecha o casaco: memórias são lâminas cortantes
Não há agonias inéditas, as carrega tal parte de si
Vem daquela esquina o solo de guitarra lamentoso
Falando de dias imemoriais e seus amores partidos
Que destino cantará no som que invade a calçada
Canta insustentáveis tempos de romance efêmero
A solidão se espalha na rua embriagada de boemia
Quanto segredo a noite esconde em bares escuros
Quantas histórias são ouvidas, nos palcos da noite
São almas errantes a buscar os resíduos de sonhos
Não foi hoje que ele encontrou o que veio buscar
Amanhã, quem saberá o que a rua XV vai reservar


Poema Juvenil

Quando vi seu cabelo em cachos rebeldes uma luz acendeu
As linhas de seu rosto a me fitar eram o caminho da paixão
De seu olhar altivo, saltaram fagulhas ao cruzar com o meu
Não se poderá negar que é o acaso que controla o coração
 
Certos amores me trouxeram verões, muitos foram invernos
Sem que a escolha me coubesse neste carrossel de emoções
Dia e noite passam e os sentimentos que desejamos eternos
Esvaem como fumaça, toda esperança torna-se em aflições
 
Não foi diferente, nem poderia ser, não permiti fosse assim
Tranquei todas as portas, não deixei-a se aproximar de mim
Foi nessa estrada de espinhos que construí o meu caminhar
 
Sem auroras, sem horizontes e sem alguém que possa culpar
Meus erros, minhas escolhas, carrego a sina que eu escolhi
Sabe-se lá um dia, eu aprenda dizer que sempre gostei de ti


terça-feira, março 7

Estrela Mulher

Se caíste das estrelas, de que bela matéria te fizeste
Às coisas deste mundo, é fato, a nada te assemelhas
Todo ouro se deslustra, no dourado de teus cabelos
Até o mármore se entristece, por não ver musa igual
Pois na nudez de tua pele terna, só à luz assemelhas
Na alegria primeva do meu olhar, o prêmio de te ver
És qual se a primavera se multiplicasse em flor e cor
E num momento embriagante, o acaso trouxe-me a ti
Assim desejei mãos suaves para revelar tua geografia
E que não descubras antes da hora todo meu desejo
Desejei ter sorriso nos lábios e provar o mel dos teus
Escolhi ter o calor para abrigar a tua natureza felina
Vez que me devoras, outra que aos beijos me revives
Pedi saber uma língua que dispense o som ao te falar
E assim te contar os segredos à orla de teus bosques
Qual explorador, desejei estar contigo em mil sonhos
Em cada um foste única tal como o és no mundo real
Quando te deitas, o tempo se cala para não te acordar
E se passas, o horizonte em silêncio assiste teu andar
Caminho a ti e te fazer minha e nunca mais te deixar
Quase de repente, as nuvens cinzas chovem copiosas
Pobre céu, chora a falta de sua mais fulgente estrela


sexta-feira, março 3

Eu disse não

Parta comigo, a vida não espera, disse ela a olhar-me
Não, não deixes para amanhã, eis que pode ser tarde
Talvez amanhã a última esperança possa estar morta
Pedi-lhe perdão por haver amado, por haver sonhado
Pela fantasia de querer sua boca úmida e flamejante 
Só não pude dizer-lhe que deixasse sua vida por mim
 
Desde então, fantasmas sem rosto vêm me perseguir
Infinda ausência estremece a alma alienada da noite
Choro neste quarto triste onde as horas se alongam
Quando as asas feridas do pássaro se partiram no ar
Quis caminhar para renascer, quis cavalgar no vento
Fugir ao inevitável anunciado na infinitude da agonia
 
Quero restaurar minha fé nestes meus pensamentos
Avançar contra a tormenta, expor tudo face a face
Labirintos que o meu coração se perdeu, sem pulsar
E se a chuva cair sobre mim, que de tudo me redima
Das minhas lascivas fantasias de desejo e de pecado
Lembrando seus seios perfumados, na noite de amor
 
Aos olhos, bailam fragmentos de histórias insepultas
Que escorrem no pó da estrada e não se pode voltar


Nenhum Adeus

 Peço-te perdão não ter conseguido morrer em teu lugar
Por certo foram muitas as vezes que o tentei sem poder
Jamais foi por não tê-la amado mais, amei mais que pude
Mas foi tua lembrança que me disse eu devia prosseguir
Pois no dia vindouro, eu não iria impedir o sol de nascer
Não consideres estes versos palavras gastas, são apenas
Mosaicos das histórias pendurados nas paredes dos dias
Memórias quais plantei nas floreiras da janela lá de casa
Que agora nascem entre os girassóis com perfume e cor
Eu quis ficar em silêncio entre tudo que lembrava de nós
Mas tua lembrança, rosa companheira de espinhos cruéis
Obrigou-me mudar essa história nas noites intermináveis
E invés de calar-me contigo, me fez cantar o que fostes
Tua terna presença que nunca cairá no limbo do oblívio
Antes, será aquele solo de guitarra que tanto ouvíamos
Enquanto o sol despontava, em meio às flores do jardim
Por fim, este poema não é uma forma de te dizer adeus
Mas incansavelmente regar as lembranças de teu existir