Fuga
Eu hoje tive um sonho insano, me via numa fuga feroz
Tudo advinha em meio a um vórtice de cenas voláteis
Pelas ruas frias desdobradas em duras esquinas
vazias
Tudo tão nebuloso como as noites destes últimos dias
Imagens se evanescem deixando só o rumor de passos
Nada me é revelado, nessa rápida sequência ficcional
Fazendo me sentir prisioneiro d’uma angústia sem fim
Uma eternidade de solidão gravada em duro mármore
Peça d’um louco teatro de calçada sem roteiro certo
E os atores movem a boca, mas não os podemos ouvir
Seria eu o personagem principal dos sem voz? Não sei
Ou seria apenas um espectador a assistir esse drama
Sentado na escada do tempo, carcomida em espanto
Nas horas perdidas diante de um outrora fulgurante
E na fuga, em dor, parei sem saber onde poria os pés
Nas outras criaturas do cenário não vejo expressões
Apenas um arremedo da dor real na chuva da manhã
Um vazio intangível, nenhum horizonte para se olhar
Atores contracenam atônitos com seus olhos úmidos
Atormentados pelo ágil, irreal texto inescrito e
mudo
A mulher em trajes íntimos de renda atravessa a cena
Traz no peito uma cruz vazia, abandonada já há muito
Ninguém a socorre e ela se vai abraçada a sua sombra
A saudade da brisa do sul, rememora sorrateiramente
Quando passa altiva nas letras desbotadas dos muros
Sigo em fuga sem saber do que ou de quem, já é tarde
Farejo segredos inconfessos e quem não confia em mim
São como aves de plumas negras a me dilacerar o
peito
Que não têm pressa no ofício de me devorar o coração
Um sol que não vence a noite de meus olhos admirados
Deixo a cidade, cubro planícies, ganho as montanhas
Sigo veloz beirando mares revoltos, ouço relâmpagos
Imagens de outrora se fazem náufragas diante de mim
Ofegante, acordo em pranto e me levo atônito à
janela
Um vulto solitário se afasta, sem respostas, sem
razão
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