segunda-feira, março 31

Maldade

Lembro de ti sorrindo da janela, entre cachos dourados
Ainda vives em minha mente, dissimulada, reconstruída
Não és mais a flor aberta ou os passos subindo a escada
Tampouco há no ar o aroma de rosas dos dias de chuva
Nem dos jasmins que anunciavam a vinda de novo verão
És tão só a imagem vacilante d’uma estátua casual e fria
Que enfeita o meio do jardim, tomada por musgo e hera
Sem o acalanto de olhos brilhantes. Sigo o meu caminho
O vento agita a vegetação opaca do pó vindo das ruas
Que também se espalha aos poucos na tristeza da tarde
Todas essas imagens são os embriões de um novo poema
Rude como de hábito, sem todavia, olvidar a esperança
Obra destas mãos mortais, escuras da sombra de ontem
Germinando dos contos que tu e eu olvidamos escrever
Passo a mão por todos os anos velozes que se passaram
Repasso os dedos por entre as muitas histórias sórdidas
Ouço o ruflar das negras asas da noite e seus mistérios
Eu pergunto à minha razão onde estavam o bem e o mal
Em nosso romance impensado que esperei tocar o céu
Porém não percebi o abismo de uma alma sem coração


terça-feira, março 25

Camafeu

São seis e meia, final de expediente normal no centro da cidade
Os transeuntes seguem anônimos na usual pressa sem observar
Uma cena de filme mudo que, sem legendas, não ilustra seu final
Sei que trazes teu rosto perfeitamente maquiado, dia ou noite
Nunca foste pedir obséquios a ninguém e não se vê interesseira
Será que eles estranhariam se, à tarde, despencasses do 30º andar
No chão, espalhados sua carteira, duas fotos sem dedicatória
Causarias mais impacto com tua nudez, que no impacto ao chão
A vida é isso amor, uma queda, um agarrar-se no vazio sem voar
Traçamos paralelas buscando respostas que, muitas, nunca vêm
O vento, nada além de vento, faz justiça a quem não sabe amar
Vivemos um tempo impreciso, que imaginamos que seja infinito
Essa subjetividade não conduz a razão à plenitude do abstrato
Cada dia é uma peça do enigma, um perplexo camafeu do saber
O destino pode estar, ouça-me, ao dobrar da primeira esquina
O que te falo é para que não se dissipe o teu olhar inutilmente
Para carregar junto ao peito todas lembranças e todos olvidos
Assim não terás nos bolsos, algo pelo que implorares por perdão
Pois, um belo dia poderemos despertar em sobressalto, bem no
meio da noite, alma inundada de histórias dançando sozinhos

 


segunda-feira, março 24

Suas palavras

As palavras que dizia
Eram qual pérolas
Maiores que seu decote
Ou que a equação
De seus olhos
E seu sorriso
Bulindo meu peito
Minhas pernas trêmulas
Sob seu peso
Em seu vai e vem
Dependurada
No meu pescoço
Amável e violenta
Na medida certa
Me fazia amor
Debaixo da chuva


Trem Azul

As palavras torturantes, partidas em sílabas, instam sair
Para se deitarem no papel, seu branco leito que as almeja
As ideias se amontoam como insetos no ventre da noite
Velhos versos qual casas mutiladas na sombra dos olmos
Cruzar portas abertas, dar-lhes as costas e seguir adiante
Então, sentar-se qual o cão que aguarda o dono ausente
E desse olhar ao horizonte compreender, por fim, a vida
Os sonhos postergados na memória qual velha fotografia
Clamam, escandalosamente, a retomada de seu caminho
Fomos amantes solitários dispersos por atalhos na cidade
Uma aventura iniciada no abraço até as bocas de volúpia
Na gaveta da aparador, cartas que foram a raiz de tudo
Sementes inquietas de papel que inventaram este poeta
Sonhos de tinta, a lembrança que viestes com o outono
E compartilhamos a mesa, os gestos e também angústias
Dia após dia, da varanda assistíamos o balé das nuvens
Mas o destino trouxe o chamado de um lugar distante
Na penumbra dos dias que anunciaram a minha partida
Choravas como chora o mar nas madrugadas à beira-mar
Da janela, via-se o trem azul pronto para última viagem
Então cruzei um abismo feito de silêncio, apagaste a luz
Restou uma parda silhueta do local onde fui mais feliz
Afeiçoei-me à dor, almejo que já ligues a luz sem chorar


quarta-feira, março 19

Segunda-Feira

Sem coro e sem plateias, lá vai o poeta com seu chapéu
Antes que chegue abril, sorve as últimas luzes pelo céu
Caminha sem ansiedade e admirando a beleza do jardim
De flores desnudas abstraídas que o outono já começou
As quais lhe enfeitam a memória. Não é como biografia
Só breves trechos, tirados a bisturi, de velhas histórias
Foi cego aos que o julgaram, pelos paraísos onde passou
Assim se manteve livre das teias insidiosas da demência
Vitimado da ilusão – não importa – pois se permitiu crer
Buscando um coração onde vira um ondulante quadril
E o rubro silêncio brotou dos seus lábios como sangue
Nessa e em muitas outras vezes por verões abrasantes
Só encontrou foi flores plásticas, beijos feitos de látex
Amores cibernéticos, nada para admirar ou a recordar
O luar se ergue detrás da parede, as putas enfileiradas
Esperam que a noite lhes seja tão generosa quão gentil
Que lhes protejam da tirania das chuvas e dos ladrões
O poeta caminha na calçada alheio aos chamamentos
Criando versos de palavras que parecem indecifráveis
Um concerto de hendecassílabos lhe ilumina o rosto
Que fariam Castilho revolver-se de tanta indisciplina
A liberdade montada a cavalo, em plena segunda-feira


terça-feira, março 18

Que faço?

O que faço agora se chamo teu nome e me reponde o silêncio
Se todas histórias que contam tem os vestígios de teu sangue
Se me restam apenas solilóquios onde tu te aninhas sem pudor
Entre os sulcos de antigas cicatrizes que ameaçam romper-se
Eis que ocupas minha pele em tuas bandeiras de alento à dor
O que faço se a brisa da tarde deita-se nas montanhas do sul
Se meus lábios desejosos buscam o doce calor rubro dos teus
Se as roupas do varal, ao ritmo do vento, exalam teu perfume
Qual fantasmas ávidos a renascer no terreno fértil do desejo
Que semeaste no meu peito onde ocupas qual senhora de mim
Os pássaros agitam suas asas no jardim, é hora de retomar voo
Buscar um novo horizonte onde o sol jamais deite além do mar
Vou voltar ao meu torrão no caminho traçado com meu nome
Onde escrevias te amo com o vapor da boca na janela da sala
Se ao menos um sinal me desses, sei lá, nascer de novo os lírios
Dos quais carregavas para nossa cama nos cabelos o perfume
Ou se ligasse o rádio e lá tocasse aquela música que cantavas
Quando à luz do luar, o sereno vinha sobre nós como pérolas
Um sinal que me dês com o caminho certo para te encontrar
Seguir um vento vespertino entre as nuvens cinzentas no céu
A tempestade que preceda à calmaria d’uma nova primavera
Dar a senha para retomar o sonho do ponto em que acordei
Só um breve signo e alçarei voo para pousar entre tuas coxas
Minha boca deitará sobre a tua e tornaremos a noite infinita
Pois que de carne e beijo é que tua lembrança reside em mim

 


terça-feira, março 11

Antídoto / Antidoto / Antidote

Os livros tediosos narram histórias inúteis e poesias baratas
Invadidas por frases enfermas, por lívidos versos para sofá
Já se tem o quanto baste! Vim a inaugurar uma nova poesia
Pronta a ser proibida, a escandalizar vocábulos intencionais
Desnuda de cobiças, proposta nuclear para ouvidos finos
Não venha imaginar que me tornei poeta, por cair do céu
Poeta, sou quântico tal todo homem na terra, um não anjo
De versos imersos em ozônio e aranhas a circundar moscas
Um novo arco nos céus, abraçador e destruidor de ídolos
O poeta que tatua na testa a marca de ser não decorativo

Antes, saído do sonho, a andar entre homens tal fosse um
Um poeta para o cotidiano, de presença nas ruas e praças
Onde sente e converse com transeuntes, inovando as letras
Palavras d’uma nova gênese, vigilantes, de punhos cerrados
A ilusão criada, mordida a frio, verdade que vem a galope
Tenho como espaldares, correias de arado a semear o grão
Deito, sem angústia, carícias maternais que tocam a terra
Pois, que me diga aquele que julgar que estou equivocado
Eu o retrucarei com minha estrofe nua, à face da alvorada
Cuspindo fora o que haja de amargo, reescrevendo nuvens
E jamais me quedarei aos pés da república para ser aceito
Pois que me oponho à liberdade seletiva ou de conta-gotas
Dos que a vendem por uns poucos centavos aos coiotes
Há dez anos convivo com a morte sem suspiros e lágrimas
Olho aberto noite e dia e não serei surpreendido pelo fim
Sou anti-espelho de meu tempo, a antítese de caudilhos
Meu poema é, apenas, antidoto aos que sofrem de silêncio
 
Los libros aburridos cuentan historias inútiles y poemas baratos.
Invadido por frases enfermizas, por versos marchitos para el sofá
¡Ya tenemos suficiente! Yo llegué a inaugurar esta nueva poesía
Dispuesto a ser prohibido, a escandalizar palabras intencionadas
Despojada de avaricia, una propuesta nuclear para oídos delgados
No vengas a imaginarte que me torné en poeta cayendo del cielo
Poeta, yo soy cuántico como todo hombre de la tierra, un no ángel
De versos sumergidos en ozono y las arañas asediando las moscas
Un nuevo arco en los cielos, abrazando y destruyendo fetiches
El poeta que se tatúa en la cara lo timbre de ser 
no decorativo

Antes, saliendo del sueño, caminando entre los hombres como un
Un poeta para la vida cotidiana, con presencia en calles y plazas
Donde te sientas y charlas con los transeúntes, innovando las letras.
Palabras de una nueva génesis, vigilantes, con los puños cerrados
La ilusión creada, mordida fría, verdad que viene galopando
Tengo como respaldos correajes de arado para sembrar el grano
Me acuesto, sin angustia, caricias maternales que tocan la tierra
Bueno, que quien recapacite que estoy equivocado me lo diga.
Te responderé con mi estrofa desnuda, al frente de la alborada
Escupiendo todo lo acerbo, reescribiendo por los nubarrones
Y jamás subsistiré a los pies de la república para ser aceptado
Puesto que me opongo a la libertad selectiva o del cuentagotas
De los que se la trasfieren por meros centavos a los coyotes
Durante diez años he vivido con la muerte sin suspiros ni lágrimas
Mantengo los ojos abiertos noche y día y no me sorprenderé al final
Soy el anti espejo de mi tiempo, antítesis de los ‘honrados’ caudillos
Mi poema es sólo un antídoto para los que sufren por el silencio.
 
Tedious books tell useless stories and cheap poems
Invaded by sick phrases, by livid verses for the sofa
We already have plenty! I have come to install a new poetry
Ready to be outlawed, to scandalize intentional words
Naked of greed, a nuclear proposal for fine ears
Don't come imagining that I became a poet, by falling from the sky
Poet, I am quantum like every man on earth, a non-angel
Of verses immersed in ozone and the spiders’ circling flies
A new arch in the heavens, embracer and destroyer of idols
The poet who tattoos on his forehead the mark of no decorative
Rather, emerging from the dream, to walk among men as if he were one
A poet for everyday life, with a presence in the streets and squares
Where he sits and talks with passersby, innovating the letters
Words of a new genesis, vigilant, with scrunched handfuls
The illusion created, bitten cold, truth that comes galloping
I have as backrests, cultivator straps to spread the grain
I lie down, without anguish, maternal caresses that touch the earth
Well, let everybody who thinks I'm mistaken tell I personally
I'll retort with my naked stanza, in the face of dawn
Spitting out whatever is bitter, to rewriting the clouds
And I'll never stay at the feet of the republic to be accepted
Because I'm opposed to selective or dropper freedom
Of those who’s selling it for a few cents to the coyotes
For ten years I've lived with death without sighs or tears
I keep my eyes open night and day and I won't be surprised by the end
I'm the anti-mirror of my time, of the honorable caudillos
My poem is just an antidote to those who suffer from silence


sexta-feira, março 7

Universo

Tua presença em mim, bem assim, tua figura indelével
Se escreve como a paixão que não me deixa a caneta
Que vem povoar meus sonhos que se sonha sem saber
Saídos de uma pintura de Dali nos dias mais chuvosos
Uivo qual lobo à lua cheia, se tento teu nome chamar
Nestes trópicos onde lembrar de ti é a melhor carícia
Tenho sede, mas também medo de me afogar nesse rio
Vem meu anjo, vem saciar a sede de teu eterno menino
Vem mergulhar nos rios de meus sonhos, vem me salvar
Lembra de nosso riso lavado, nosso abraço apertado
Onde a palavra no poema é a palavra que diz do amor
Se repita uma e uma segunda vez, porque é belo amar
E repita mais outra vez, porque o amor não tem dono
Seja no sonho e na vida, na chuva vespertina de verão
E quando a noite vir, brilhem cortejos de vagalumes
Pelo não dito e pelo dito com as pupilas cintilantes
Os meridianos e paralelas, a caminhar entre moinhos
E se apagarem sóis, mundos e estrelas, não meu verso
Por todos eclipses, por ti orbitará todo meu universo