Os dias passados foram exangues, de uma febre
repentina.
Na pérfida memória, a chuva dos anos esculpia suas
cenas
Para me roubar o sono com imagens de páramos
distantes
Amanheço exausto enquanto queria ter a justeza de
sorrir
A vida dói na alma e nada que redime acontece de
repente.
Manhãs mornas e noites sem estrelas, cobertas de
nuvens
Silêncio premente em lugar dos mansos sinos da
infância
É o que se apresenta nestes tempos acres e sem
respostas
A lembrança das árvores da praça e seus perfumes e
jogos
Guardam eternamente o segredo de permanecermos
vivos
Muitas bocas abertas se quedam mudas do grito
libertário
Nulas de sua rebeldia elementar face aos que
comandam
Como fossem tão só volumes cinzentos sob sóis
apagados
Procuro teu corpo violino entre a música suspensa
no ar
Mas onde eram as cordas restam apenas arames
farpados
No agreste hodierno os trigais foram ceifados cedo
demais
E o vento não mais os deitará em ondas de suave
bailado
O doce perfume das tardes de outono terá, junto,
partido
Resta o solo crestado onde não podem os pássaros
pousar
Um arco-íris em tons de gris veste o cenário do
horizonte
As amargas verdades da vida premem o coração
combalido
Como as correntes que cerceiam escravos a seus
senhores
Contudo seguir é preciso, não é possível se render
sem luta
No poema a enorme distância entre a dureza da
realidade e
a mansidão do sonho é de apenas uma meia dúzia de
linhas
Daí que no sonho do poeta todas as amarras se
transmutam
Geram a metamorfose de gotas de fel em tinas de
esperança
E é o que basta para que se retome o clarão
infinito do luar
De braços abertos ao poente aguardar a revoada das
estrelas
A chegada da aurora entre anjos e notas douradas de clarim
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