Se escrever é fazer mágica, sou um mago; se for transformar, sou alquimista; se for dominar mistérios, então sou bruxo. Vim transmutar sentimentos em palavras e vice-versa. Os poemas falam de imagens, sentimentos e sonhos. Tudo se passa na vida real ou na surreal. Ao lê-los tenha atenção ao que está oculto nas entrelinhas. Deixe que os versos te levem onde o vento quiser levar. A musa de meus poemas é a vida. Estejam atentos, pois as palavras são metade de quem escreve e metade de quem lê.
terça-feira, maio 30
segunda-feira, maio 29
Tragédia
Porque
torno a te escrever se teus olhos verdes não irão ler
Pois
não se trata de escrever o que fomos tu e eu, certo dia
Fosse
pela tragédia de alguém que contasse alguma história
Mas sou
eu o que amanhece de olhos úmidos a cada manhã
Como me
pesa ter as asas úmidas, como me pesa esta pena
Minha
tragédia, razão do abismo, foi não poder despedir-me
Não
poder como a quem parte, desejar boa ventura, vá bem
Foi
apenas um adeus caprichoso, mas que nem mais importa
Não se
conhece o que há depois da morte, qual sorte d’alma
E
depois que fechastes os olhos, ainda há cor? Ou há rumo?
Aqui a
tragédia decora o quadro e a caminhada fica tortuosa
A
lembrança é uma síntese vermelha, cravos sobre as águas
No
papel manchas negras para ocultar essa dor sem sentido
E
volta-se ao velho livro já lido uma e outra vez e mais vezes
Que
mesmo assim vai murchando qual secam as flores rosas
Na
paisagem crestada que, então, tem orlado minha estrada
Com
remos de palavras venho remando entre ondas escuras
E as
sombras podem se confundir com o alento e com flores
As
flores que se alimentam de lágrimas, sem nunca ter nome
Dos
nomes e nomes que eu disse depois e só chamei o vazio
Por
vezes os poetas inventam palavras e as palavras mentem
Ouvi
teu nome e não estavas quando a morte bateu à porta
A
lembrança é a síntese de tudo, do olfato, do gosto, da pele
É
também da tragédia, o dia seguinte que jamais se quis ver
domingo, maio 28
Hai-Kai
Um quadro!
São as flores da prímula
quando tremula
Floral dissolvido
pelo vento perdido
vagam sem fim
Suavemente
caem gotas de chuva
em minha janela
quinta-feira, maio 25
Bom dia
Escutava-se
um alarme obsceno e brevíssimo
Que insiste
despertar-me com só uma palavra
Na
simulação de uma amordaçada liberdade
Um ou dois
sonhos suspeitos se fazem impor
Uma nada
breve chuva que cai sobre acácias
O pesadelo
vem visitar inusitadas geometrias
E
hexâmetros perfilados na inutilidade diária
Vêm me
resgatar da mesmice de certas linhas
A manteiga
está fria, o orvalho cai em espiral
E sob a
toalha, repleta de crocantes migalhas
Está a mesa
onde virei rabiscar meus escritos
Ao jornal
com pequenos espaços d’annunzios
Ainda se
exige alguns bocejos antes do papel
Como a
chuva, para essa insondável sucessão
Das manhãs
de outono que vêm me roçando
Pressentidas,
quase dolorosas e desgarradas
O cheiro
peculiar do tisnado café indaga-me
Perscruta e
cerca-me com mil braços de Kali
Eu lhe
direi que é só do gozo que me lembro
terça-feira, maio 23
Alice no país da poesia (3 atos)
I
Arco-íris,
diante dos olhos, pulsantes e a via-láctea na bainha
Magnitudes
indistintas, meu sangue irriga a venturosa árvore
Na parte da
noite que não brilha, o opaco a tingir suas águas
Um olho de
luxo, outro simples, a água, o universo e este sol
Não é meu
sol é o verde. O segredo da vida é o seu não estar
Estas
meninas e seus corpos, teus copos, teu corpo cascavel
Folhas,
ramos, flores, frutos de ouro essa é a nossa mortalha
Piam
pássaros vermelhos, o cio em teus olhos vermelhos, zelo
Douradas
prímulas, plúmbeas plúmulas mesclam luzes e olhos
Nestes
traços que surgem no livro, à espreita atrás da cortina
II
Deixamos a
raposa, as uvas e o lince voluptuoso, zooteca zero
Nos querem
nus, a desatar os nós, um oásis ao pobre escriba
Signos
ígneos negros, ocas marcas, ouriços, ouro, opacidade
Alegram-se
com a letra que mancha o poema monogramático
Tudo de que
te desfazes e dissipa no escândalo nu do sonho
Às vezes um
rosto apagado, boquiaberto, um pássaro súbito
À noite na
casa vazia sou o sapo que espera o beijo salvador
O dormir
que não se dorme, mas esvoaça em ritmos ocultos
Despido de
pé no chuveiro, meu permanente e ácido humor
Minha
expressão imprecisa para um gorjeio mais prolongado
III
Há que se
conhecer a morte e seu desejo de dureza infinita
Em plena
alvorada, o que possa ter de consciência culpável
Olhamos a
obra, tal algo incontido na erudição dos saberes
O livro,
esse objeto apaixonado, se amplia se impõe e reduz
O que há de
confuso em um breve caos não é amordaçável
A liberdade
viva é um déjà vu, o recorte de cenas obscuras
A serpente
que acena ao falcão lá acima um pacto de viver
Devemos
permanecer sempre crianças e mais que um sonho
Quando se
decline o nome do gato, o gato salte sobre o muro
Despido ao
chuveiro, vou desdobrar meu punhado de sílabas
Tecer à
mesa do café encantadas imagens, dar início à manhã
segunda-feira, maio 22
Festa nos Campos
Houve, há tempos, nos campos da minha vida uma primavera
Vivia-se toda a ânsia que o entardecer poderia nos oferecer
Cada rosa não era apenas uma rosa senão a beleza realizada
Caminhei para essa festa vestido com meu melhor traje azul
Mas ao chegar as luzes já apagavam e não havia mais a festa
Um odor de perfume finado flutuava no ar da noite deserta
Havia pessoas, as pessoas assim proferiam palavras dispersas
Eu fui-me pela vida, uns falavam de justiça, outros de glória
Alguns sabiam nomear as estrelas ou diziam palavras solenes
Eu que queria as palavras sensatas apenas ouvi más palavras
Havia livros aonde havia palavras de uma poesia já sepultada
Livros de uma ciência em que todas as noites foram eternas
Sem qualquer luz nos olhos, mãos envelhecidas e isso é tudo
Caminhei para a festa do mundo, mas luzes se iam apagando
Era de campos verdes onde despontou a primeira primavera
E a alma que de tudo era mais pura, era mais só e mais triste
A ave que falava, a arvore que cantava, não se as ouve mais
sexta-feira, maio 19
A morte do silêncio
Desenho com o dedo tua sombra na sombra da noite
Para te reter em mim e guardar a tua lembrança nua
Essa flor despetalada no horizonte, diante da janela
Onde a lua, distante, desponta atrás das montanhas
E os meus olhos vão te buscar, te achar e te admirar
Sinto teu palpitar na solitude aparente deste abismo
Onde um pássaro voa e cruza o céu. Grito teu nome
Foi assim que vieste e me apunhalaste com teu amor
Trespassando meu coração e assim me furtar a alma
Para te estenderes por meu corpo até que te habite
Com meus pássaros selvagens indomados e famintos
E o desejo liberto no ar invadir os espaços do vento
E o manto de noite restar pleno de signos e carícias
A névoa é o olvido e a insônia transborda qual o rio
Que o calor de tanta loucura transforma em chuva
Devolvendo à vida o fruto que um dia fora semente
Na calçada o silêncio jaz abatido em teus sussurros
quinta-feira, maio 18
Noturno 6.8
A fria imagem de mármore cinzelado, imitando pássaro
Que pulsa na paisagem qual o conluio entre dois reinos
Amanhece em meio à chuva neste tempo de lembrança
Ao qual o poeta reconhece, mas nem sempre o realizou
Ser fulgurante outrora nascido sob o manto dos astros
Sua cintilação conduz-se no negro voo no seio da noite
A nostalgia realça seu brilho e vem para inaugurar a luz
Perpassa o ouro em suas palavras, qual o fogo da ilusão
O pensamento que jazia adormecido, ressuscita seu ser
O lobo que sempre alimentou e com quem viveu em paz
Na visão interior de modo ambíguo em fumos de alegria
Imagem de um sonho que se esquiva de toda a ausência
Guarda um jeito perturbado, tanto áspero pela angústia
Ora a face mais serena, calada, ora o gárrulo, o espanto
De suas prédicas negras nos amargos versos cicatriciais
A sombra que invade o carvão do silêncio d’outros dias
Em meu voo solitário observo meus inimigos à distância
Os quais atraio com o suor de falas acesas e inflamadas
Aqui descortino meu ser, pelo avesso, meu avaro andar
A brandura que não ostento, como a todo corpo de pó
O tempo marca mais um momento de um zodíaco triste
Além dos campos áureos de trigais e lilases de alfazema
Em que o vento balouça novas hastes florais nesta vida
Em memórias onde também se agita alva roupa no varal
O abandono do pássaro pulverizado repetido outra vez
Nesta hora de um silêncio já cansado de tanta infância
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