Se escrever é fazer mágica, sou um mago; se for transformar, sou alquimista; se for dominar mistérios, então sou bruxo. Vim transmutar sentimentos em palavras e vice-versa. Os poemas falam de imagens, sentimentos e sonhos. Tudo se passa na vida real ou na surreal. Ao lê-los tenha atenção ao que está oculto nas entrelinhas. Deixe que os versos te levem onde o vento quiser levar. A musa de meus poemas é a vida. Estejam atentos, pois as palavras são metade de quem escreve e metade de quem lê.
terça-feira, agosto 19
quinta-feira, agosto 7
Bom dia
O dia nasce indefesoOlvidando as cicatrizesE os instantes oblíquosPara raiarem vocábulosDessas noites tão friasEm vales de incertezaDa dimensão do realNo sonho remanescemPencas de horizontesE esse silêncio da vozNão faz calar na almaUm desfile de palavrasSequiosas de voaremSob o sol que as saúdaEntre flores no quintal
terça-feira, agosto 5
Poema mulher
As partículas invariáveis de traço dos meus poemas
O motivo é sempre a mulher e o seu cruzar
de pernas
Na intensidade que muda, por
conta de quais ângulos
E da fantasia de quais
portais se abrem aos sentidos
A se espalhar como destroços de antigo naufrágio
Enquanto há uma pretensa penumbra a limitar o céu
As paredes da sala se diluem entre olhares
brilhantes
O fato gerador das minhas
mais eruditas expressões
Diametralmente opostas ao
reino de certezas líricas
A seda nunca fez sentido até que eu senti sua pele
A mulher na horizontal invade as minhas estruturas
E me fazer conjugar os meus verbos mais irregulares
Livre de funções sintáticas,
sou todo concordância
O que são letras frias comparadas
à beleza feminina
Ou as infinitas estrelas do céu diante de sua nudez
Perco os substantivos, os gêneros e mesmo pronomes
Exceto ‘minha’ que faço por chamá-la noite adentro
Atravesso as fronteiras do querer, predicado verbal
Sua boca rubra e tão suave textura são a expressão
Entre artigos e numerais, é o meu refúgio do tempo
Chamam-te mulher, mas és o berço de toda a poesia
Monólogo da plenitude mais que perfeita da palavra
quinta-feira, julho 31
Poema errado
Se buscas construções tênues, mansas e contidas
Um texto acolhedor ou uma diagramação formal
Meu poema foge à simplicidade e à compreensão
Se pensas que posso te dar a obviedade d’um sim
Algo descompromissado, se queres não conteúdo
Tão só a capa expressiva seja qual for a proposta
Algo mais que vistoso, inconteste
beleza exterior
Se aspiras à mesmice do outono, ao intenso verão
Saiba que sou o talvez do dia nubloso antes do sol
Se tu esperas algo possível entender de imediato
Uma simplicidade quase inocente, uma vida linear
Saiba que imponho nomes diferentes a cada coisa
Algo assim qual um beijo na tua parte mais íntima
Não por dever de ofício, antes teu absoluto prazer
E gozar no teu êxtase dando o benefício da dúvida
Se vale seguir vivendo ou morrer uma morte
única
Imaginando não irás sentir novamente tanto
prazer
Escrevo pela desordem do que possa ficar no
lugar
Por querer saborear o infinito de dar tanto amor
No sonho vívido de ser eterno em um só instante
Embora, se desejas algo morno
ou mais comedido
Lamento dizer que escolheste ler
o poeta errado
terça-feira, julho 29
Desperdício
O sabor agridoce de teu beijo ainda recende na boca
Uma viagem, um enigma ou um fragmento do passado
Um olhar suplicante, sem cerimônia, invade os meus
Tal qual a luz de um farol que invade toda penumbra
São tantas sensações a inventariar e nada que baste
Nada que diga que não
fui, intimamente, o teu servo
Mas que também usufruí teu corpo sem desperdício
Sei que o esquecimento virá para
aplacar meu soluço
Os relógios cumprirão o mister a me tirar do espanto
Não aos passos solitários entre escombros,
mas seguir
Erodir os caminhos da vida até vencer todos abismos
Depois, fingir que é noite, e tu, ao meu lado na relva
Fitando estrelas que já não cabem apenas em um céu
Ouvindo a sinfonia que vem de um distante azul véu
Pois que sei que o vento levará consigo toda tristeza
A irromper no silêncio apagando profundos
lamentos
E na errância do dia venha a recitar ao pé d’ouvido
Este poema meu que é tão teu,
tal teu amor foi meu
Trono
O vento dos
tempos, inclemente, esculpe os rostos
Não há raízes possíveis que reconheçam
o eterno
E tu que do trono do deslumbre me viravas o rosto
A imaginar que não havia vida venerável fora de ti
Cresça! Nunca
nada foi teu. Percebestes os sinais?
A lua, o fogo crepitante, a alta solidão das estrelas
Crepúsculo irreal,
destinos alheios, presentes vãos
Apenas tu imaginaste e te falo não para que chores
Aquele solo de saxofone que
nem querias escutar
Em verdade não compus aos teus
ouvidos seletivos
A sombra
apenas me emprestara a música da noite
Tuas mãos já tão pálidas; onde eram rios,
são ruínas
Essa vontade
incontida de dormir, agora já o sabes
É o barqueiro que acerca-se e a moeda nas
mãos
Assim como o poema,
que já declamei não o fiz a ti
Tu partiste tantas vezes por obscuros caminhares
Mas de nada
adianta fugir, é só um outro caminho
Saibas que de onde se partiu, foi sempre a chegada
quinta-feira, julho 24
Antes de ir-se
À auroraPés descalçosQuem a morteJá derrotouOdor a alfazemaA guerraUm beijo na faceCondenadosTrinta dinheirosO leito sonhadoTremor na alcovaO que sucedeUma despedidaA mão que agarraMeia nádegaAntes de ir-se
Anoiteceu
Sob as sombras
dos tempos, a imagem mansa do mar
Devolve-me todas as lembranças que
guardei de ti
De tua pele desnuda rescendendo ao cheiro de sal
Dos teus olhos
assombrados dos tempos ancestrais
Daqui tão
longes, quando a alvorada afasta a noite
No chuvisco noturno débil e esquecido da história
O aroma dos lavandais recém cortados
invade o ar
No perfume brilhante recordo-te trêmula de prazer
E o teu torso,
opulento e macio, a respirar exausto
Num amor que juramos que jamais poderia terminar
Promessa ilusória, ceifada pela realidade da morte
Hoje é somente o mito ausente,
por trás da névoa
Ah, como me entreguei inteiro a essas recordações
Quedei-me indefeso perante a dor de toda distância
Os ruídos
cotidianos, a cidade irresgatável, estéril
Cicatriz corroída sob o
linho que cobre os altares
Vejo-te na minha alucinação à porta da
nossa casa
Vejo o sangue vertido no caminho,
sobre o asfalto
Ao meio dia
era sol, à uma, de dor o céu anoiteceu
À noite espero em silêncio, debalde, o teu retorno
quarta-feira, julho 16
Herança
O tempo depois de todo
o tempo, por incontáveis eras
Dos
séculos, das migrações, do vozerio à beira da água
Ainda
me quedo à tua espera, coberto do pó da estrada
Tal marca indelével, uma
cicatriz de vidas e de mortes
Velha procissão das
gentes em seus vestidos coloridos
Eis-me aqui, depois de
tudo, transmutado em essência
O sol nasce e se põe sem descanso, de tempos remotos
Crestando
o calcário, fendendo suas alvas porosidades
Sigo por teus
labirintos exercitando a minha pequenez
Na
brevidade de mais uma vida, ansiando deixar marcas
Nas paredes, nos pátios,
nos mais secretos cantos, a ti
Para
que me vejas, na minha transparência quase aérea
Chego
a este lugar, onde te espero desde todo o tempo
Nos
territórios de meu secreto reino, local de mistérios
Onde
emanam intocados, todos nossos primevos sonhos
Mas que percorro
solitário, aguardando a tua chegada
A fim de destecer as teias dos que nos querem afastar
E
por isso te chamo, sob a luz do sol que devora os dias
Teu
nome foi escrito no sangue a me percorrer as veias
No
quadro alegre da memória, ainda brincamos de viver
Entre
os muros que limitam mais uma curta existência
Na
vocação da espera o que meu peito sente incansável
Os
olhos negam sem indulgência à caprichosa esperança
Nesta
vigília que sei não virás e a dor é a única herança
Saga antiga
Um poeta esculpe pela noite os domínios do seu perfil
Percorre os
salões além das casas sem portas da morte
Sobe e desce entre
remotas ruas empinadas do centro
Corvo rubro do amanhecer, azul intenso que vem do
sol
E ainda que seja só um homem, não há o que o
defina
Sua alma finalmente liberta dos grilhões para onde irá
Último cárcere entre as brumas, último amalgama gris
Anjo remisso, quais marcos deixará antes da sua cova
Olha a fuligem
sobre as telhas, onde o musgo
prolifera
Nas gotas das chuvas que escorrem entre suas gretas
A que servem o estrume, os vermes, plantas e animais
Será o coração tão-só um músculo, não a casa do amor
Todo lugar é
apenas mais um lugar, uma outra canção
A vida é uma
viagem, um permanente desatar de laços
Minúscula gota de sangue, diluída no escuro da noite
Mas agora é noite e nas noites há que se beber o vinho
Hora de esquecer das
cinzas e, enfim, curar as mágoas
Como se pudesse, do
nada, ungir cada uma das feridas
quinta-feira, julho 10
Heróis
Olho a colina com minha melancólica alma ensanguentada
Estarão por toda parte os que me queiram mal nesta vida
É este o meu destino, enfrentar
tantos
punhais à espreita
A vida é 0 eco da morte, a borboleta exposta num
alfinete
Heróis silentes e imaginários que
se
desfazem em pedaços
São feridas abertas num jogo de mortalidade sem sedução
Humilhados ou arrogantes, todos derramam sangue e suor
Nesse redemoinho sem esplendores que chamam de viver
Observo os fatos irônicos, fertilizados por essa realidade
O não equilíbrio de quem encalça com serenidade o vazio
Que se iludem a imaginar serem os encantadores de feras
Avatares sombrios despedaçados, negando a imortalidade
O silêncio da noite nega a existência de um amor
gratuito
A busca do prazer, mas se encontra apenas impropérios
A paisagem desvanecida na penumbra é o que nos oferece
Corações prisioneiros no êxtase de seus peitos em chamas
Numa manifestação fortuita de toda realidade imprevista
Onde o tempo impreciso de sombras, escapava galopante
Montando em comoção espontânea, o cavalo dos sonhos
segunda-feira, julho 7
Pretexto
Não preciso de vãos pretextos para viver sem limites
Inobstante que meu coração lamente a tua ausência
Que tua figura tenha se perdido na fumaça dos dias
Chego a entender o desamor que limita certa gente
E tudo isso me faz escrever versos ao cair
da tarde
Ouço ao longe um acordeom, o fole arfando de dor
Ouço o pássaro, sinto a
brisa, os perfumes do verão
Certa vez construí um lugar contigo
e éramos livres
Mas veio a tormenta, enlouquecida a
deixaste entrar
Depois houve o nunca e a autora se perdeu na
noite
Hoje teu corpo é naufrágio e não posso te encontrar
Lágrimas que escoam, banhando teus lábios
de neon
Os dias correm velozes como nas
corredeiras do rio
Benditos os aventureiros que fomos,
sobreviventes
Desbravamos o grande labirinto, sem olhar para trás
Semeamos as sementes para reinarem quando árvores
Fomos avisados que não ficaríamos muito no paraíso
Assim escrevi um quadro, pintei um
poema inovador
Depois será o silêncio, um vibrante e
sonoro silêncio
De quem, ainda vivo e pleno, caminha entre os mortos
Rumando a outras terras, na luz tênue de um abraço
sexta-feira, junho 27
Vaivém
Anos passados, eu a encontro ao acaso, ela parece
me sorrir
Decido, destarte,
por falar de coisas triviais, coisas
outras
Nada digo sobre
seu perfume, apesar desta noite enevoada
Uma sensação de umidade, a lua ocultada,
estrelas alheias
Não será conversa
sobre o passado, penso falar de futebol
Isso evitaria abraços e distrações. O que houve foi silêncio
Os ruídos
noturnos nos levam ao sofá, contudo o
ar gelado
Nos aproxima um tanto a mais que a prudência recomenda
Na chaleira a água vai além do morno, ferve a fazer o café
Não, não
pergunte, nem me diga que sente pelo
acontecido
Faço uma pausa, escolho outra música para tocar, creio eu
O relógio tiquetaqueia por minutos que se somam em horas
O tempo não se distribui na medida de nossas necessidades
Sabemos o que isso pode fazer-nos (e nem é preciso
dizer)
Não importam porquês, a roda do tempo não retorna atrás
Ela deixa sua blusa semiaberta, vê-se a volúpia em sua boca
Nas respostas do que não se perguntou e não se quer saber
Acaso tu te atreves? Atrevo eu, solto o cordão do sapato
Ponho descalços
os pés, faço-os tocarem de leve nos seus
Curiosamente ela murmura uma canção antiga, eu
conheço
Porque o fazes assim, fica tão difícil não desnudá-la, penso
Carreguei sua foto na carteira por mais tempo que queria
Quando me dou conta já esfregas
aquela tatuagem em mim
Ela se adere ao meu peito, sobre todas as cicatrizes de ti
Sinto o calor de teus seios hígidos me roçarem em vaivém
Já não há mais o que fazer, outra vez restamos
apenas um
Entre as cobertas, dizes que não queres falar sobre nada
Então que queres que eu faça se
tu me olhas com paixão
Além de te
tomar em mim, sem ponderar as consequências
Imagino que tu fizeste de caso pensado, mas nem importa
Lá fora a neblina já deu lugar à chuva, não pretendo
sair
segunda-feira, junho 23
A palavra proibida
Perdemos a noção do tempoA última lâmpada já não luze maisAs sombras são em multidõesSe achas que nos calou a vozÉ porque te parecemos longeViva está a palavra que restaE que ninguém se iludaOs que se acham vitoriososO murmúrio vai elevando o tomDobra o silêncio a cada esquinaE segue de braço em braçoO rosto que eles nunca viramGatos pardos na noite, afinalO que é proibido, não mais seráDe resto, sobreviveremosE a palavra jamais proibida
Ode a Van Gogh
Meu coração endurecido guarda lembrança de voar
Como se isso pudesse me guiar ao fim de um outono
Prevenir-me
dessas belezas vazias, não por faltar
a fé
Mas pela ausência de ventos que marquem a direção
Para contornar as melancolias e memórias provisórias
Qual o talismã que me proteja da traição dos infiéis
Ultrapassar os muros nessa fuga das dobras dos dias
Partir em meio
à insônia de cálidos tempos tropicais
Na inevitável cegueira de todo poeta diante do amor
Assim como sua inútil e imortal esperança no melhor
Ser o cão dócil, de alma gentil ferido por ser franco
Quero semear flores pela orla desta estrada agreste
Onde pousarão
as mariposas, cientes de evitar a luz
Caminharão à
minha sombra e ouvirei seus lamentos
A escuridão em nossa face, nosso medo tão antigo
Às vezes imagino, em verdade, não existir um mundo
Apenas seguimos numa batalha interminável pela luz
Ou talvez bailarinos, que desnudos, buscam a manhã
No sonho, obstinados versos brotam em minha mão
Como os girassóis de Vincent, na primeira luz do sol
Dispo os farrapos, visto
o poema novo ali na esquina
segunda-feira, junho 16
Fevereiro
Então, os
olhos que fizeram morada de tantas lágrimas
Calaram-se qual a tempestade que
se despiu dos ventos
Como o
pássaro que,
engaiolado, abdicou de seu canto
O tempo
consumado se
saciou na quietude dos minutos
E assim estes olhos passaram
muito tempo adormecidos
Numa tarde
de outono, era quase noitinha e ela chegou
No meu
peito ferido, cicatrizes vibram com sua chegada
Vestia
branco,
como a verdade que brilha nas clareiras
Abriu a
porta para o
pássaro voar e ele não foi embora
Antes, lhe
pousou no
ombro e afinal ali pôde descansar
Um silêncio de céu, mar e luz,
um silêncio transluzente
Sob essa luz
o pássaro segredou
cantos no ouvido dela
E com a
ponta dos dedos, esquadrinhou a sua geografia
Sobre suas asas de almíscar, brilhou
uma luz lápis-lazúli
As criaturas da terra veem os
ponteiros mirarem o céu
Meio-dia é consumado, chegou a hora de colher frutos
O sol
cintila sobre o chão crestado, ainda é tão deserto
E a luz
dispersa as sombras reunidas à noite, sob a cama
De um sono
fustigado e sem
sonhos, é preciso acordar
Dar-se conta
de que
habitava um continente de cegos
E a mentira
nutria os
espelhos desse mundo sem portas
Empertigo-me
na cadeira, a pulsação
tranquila e ritmada
Confesso que sei, a
morte pode vir no azul do horizonte
Viro a
página, risco um poema, afinal, já não é fevereiro
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