quarta-feira, abril 16

Rosa dos Ventos

O norte eleva-se na multidão, um rumor de nostalgia
Não é sobre a flor aberta, mas a lembrança sepultada
O embrião de uma ideia, a tristeza vinda sem porque
Esse suceder de estações, antigos passos pela escada
Debaixo da lua de um abril onde floresçam os trigais
 
O sul repousa ao pé dos montes das grandes árvores
A noite vem avara de vozes, a quem cabe esta ruína
Sem o pó que o vento alçaria se, distraído, soprasse
Esse sangue poético justamente anônimo e profético
Derramado na calçada ao pé dos sonhos irrealizados
 
Ao leste a sua eterna galhardia de ver o nascer o sol
A rua brilha na chuva debaixo de luminárias amarelas
Cavalgo a palidez da palavra amanhecida à beira mar
Retrato num epitalâmio o amor das ondas e as areias
Na boca da noite, cintila a celebração dos contrários
 
Ao oeste o sorriso franco vem tingir o céu em noite
Permita que te cante versos de palavras esquecidas
E que procelas em sílabas azuis, entoem o flamenco
Lavrando essências de esperança, liberdade e olvido
Ah, essa minha mania de amar-te viva, porém és lenda
 
Mas tu, rosa dos ventos, traze-me teus rios celestes
Para eu poder amar-te líquida, fluindo-me pelas veias
Contrariando as voltas do sisudo carrilhão da matriz
Para amar-te criança pela loura mirada do horizonte
Eternamente amar-te em silêncio qual fosse um deus

segunda-feira, abril 14

Despedida

 Toda despedida deixa marcas de desapegos na vida
Algo tal o que fica entre as lembranças e as cinzas
Que são fruto do medo de sobreviver ao abandono
E afeiçoarmos à solidão quando morta no coração
Toda a ilusão e não mais sonhar, apenas adormecer
Tão pior quando atinge a mão que empunha a pena
Que se faz sossego, não mais o ponto de resistência
Mas se torna parecida com o que sempre combateu
 
A despedida esconde em si o silêncio que é imposto
Nossos últimos arrependimentos, o poço profundo
Dores que não revelo, pelos caminhos desse mundo
Viro a próxima página ainda é sonho, o novo poema
As lágrimas caem do céu, da sombra azul do abismo
O sol que nasce na amplidão e ergue o véu da noite
A noite antiga se desfaz no delírio em cor de ouro
E o dia afasta as sombras na reafirmação do tempo
 
A despedida traz o ar pesado de loucura e paixão
O amor que ela rejeita e que breve olvida a dança
Recolhe asas, segue tropego por caminhos ásperos
De súbito os corpos passam a correr; é o recomeço
Tem início no grande drama, a voz obliqua na boca
O trigo cresce nesta lenda, a disputa de contrários
O sonho frágil, a fábula compõe parte da realidade
O sábio lê o poema, então segue leve qual a nuvem

quarta-feira, abril 9

Chão de Barro

Há dentro deste corpo um passageiro des’que nasci
Desd’aquela velha casa de tijolos, de chão de barro
Ali debaixo do teto nas travessas de madeira nobre
Sopravam vozes do vento, me ensinando a alucinação
De caminhar sempre em frente por todos caminhos
 
Dei-me conta do passageiro, sentado na beira do rio
Um menino já imaginando que haveria do outro lado
E o menino ganhou as distâncias, visitou um mundo
Dentro e fora dos sonhos perfumados como jasmins
E tão brilhantes como os olhos da donzela na janela
 
Juntos, descobrimos o amor numa tarde de outono
Amar me ensinou o sentimento que ilumina a noite
Mas, ensinou também que o céu é a ilusão em azul
Fui assim descobrir o amargo da lágrima na distância
O amor é pássaro que recolheu as asas no passado
 
Que olha o que pode, mas não revela porque pensa
No que restou da paisagem pelos campos de trigais
Assim nasceu meu escrito, cúmplice dessa jornada
Na música tocada nas tardes, ao ranger da carroça
Velhas e lentas rodas, a circular tal qual o destino
 
E o vinho tinto que tinge o véu de veludo estrelado
Que faz escolher o caminho, não se sabe o porquê
Também faz o passado continuar sublime e intocado
Meu passageiro, o estranho em mim, sou eu mesmo
A misturar pedaços da vida secreta com a de poeta

 


terça-feira, abril 8

Venta Vento

Sou ave migratória que carrega a saudade no sobrenome
Ave disciplinada na vida, a sempre oferecer a outra face
E desde menino nunca recebi o lume de provar a verdade
De caligrafia e voz frágeis vivi a dúvida sobre minha arte
Obrigado a buscar acolhida no território oculto da noite
Sem, todavia, permitir a sombra se apossar de minh’alma
Hoje meu poema carrega selos de amargura e melancolia
É assim que minha voz há tanto escondida ora se espalha
Assim poder falar às cinco da tarde de fome e de desejo
Para ser violino, contudo soar muito mais como um oboé
Rebelar-se contra a tristeza qual um trem desgovernado
Espalhar arpejos iluminados por lembrar do amor que foi
E no litígio dos dias desaprender a odiar, é de novo abril
Não temer, prematuramente, pelo inferno ou um abismo
No final do caminho que antes caminhava olhando o céu
Amamos o que não temos, a areia escorrida pelos dedos
Nada se avista o que já ruiu detrás da névoa de outono
Então que vente o vento onde venta viva a tua memória
Na capa do poema onde teu nome, dourado, ainda vibra


segunda-feira, março 31

Maldade

Lembro de ti sorrindo da janela, entre cachos dourados
Ainda vives em minha mente, dissimulada, reconstruída
Não és mais a flor aberta ou os passos subindo a escada
Tampouco há no ar o aroma de rosas dos dias de chuva
Nem dos jasmins que anunciavam a vinda de novo verão
És tão só a imagem vacilante d’uma estátua casual e fria
Que enfeita o meio do jardim, tomada por musgo e hera
Sem o acalanto de olhos brilhantes. Sigo o meu caminho
O vento agita a vegetação opaca do pó vindo das ruas
Que também se espalha aos poucos na tristeza da tarde
Todas essas imagens são os embriões de um novo poema
Rude como de hábito, sem todavia, olvidar a esperança
Obra destas mãos mortais, escuras da sombra de ontem
Germinando dos contos que tu e eu olvidamos escrever
Passo a mão por todos os anos velozes que se passaram
Repasso os dedos por entre as muitas histórias sórdidas
Ouço o ruflar das negras asas da noite e seus mistérios
Eu pergunto à minha razão onde estavam o bem e o mal
Em nosso romance impensado que esperei tocar o céu
Porém não percebi o abismo de uma alma sem coração


terça-feira, março 25

Camafeu

São seis e meia, final de expediente normal no centro da cidade
Os transeuntes seguem anônimos na usual pressa sem observar
Uma cena de filme mudo que, sem legendas, não ilustra seu final
Sei que trazes teu rosto perfeitamente maquiado, dia ou noite
Nunca foste pedir obséquios a ninguém e não se vê interesseira
Será que eles estranhariam se, à tarde, despencasses do 30º andar
No chão, espalhados sua carteira, duas fotos sem dedicatória
Causarias mais impacto com tua nudez, que no impacto ao chão
A vida é isso amor, uma queda, um agarrar-se no vazio sem voar
Traçamos paralelas buscando respostas que, muitas, nunca vêm
O vento, nada além de vento, faz justiça a quem não sabe amar
Vivemos um tempo impreciso, que imaginamos que seja infinito
Essa subjetividade não conduz a razão à plenitude do abstrato
Cada dia é uma peça do enigma, um perplexo camafeu do saber
O destino pode estar, ouça-me, ao dobrar da primeira esquina
O que te falo é para que não se dissipe o teu olhar inutilmente
Para carregar junto ao peito todas lembranças e todos olvidos
Assim não terás nos bolsos, algo pelo que implorares por perdão
Pois, um belo dia poderemos despertar em sobressalto, bem no
meio da noite, alma inundada de histórias dançando sozinhos

 


segunda-feira, março 24

Suas palavras

As palavras que dizia
Eram qual pérolas
Maiores que seu decote
Ou que a equação
De seus olhos
E seu sorriso
Bulindo meu peito
Minhas pernas trêmulas
Sob seu peso
Em seu vai e vem
Dependurada
No meu pescoço
Amável e violenta
Na medida certa
Me fazia amor
Debaixo da chuva


Trem Azul

As palavras torturantes, partidas em sílabas, instam sair
Para se deitarem no papel, seu branco leito que as almeja
As ideias se amontoam como insetos no ventre da noite
Velhos versos qual casas mutiladas na sombra dos olmos
Cruzar portas abertas, dar-lhes as costas e seguir adiante
Então, sentar-se qual o cão que aguarda o dono ausente
E desse olhar ao horizonte compreender, por fim, a vida
Os sonhos postergados na memória qual velha fotografia
Clamam, escandalosamente, a retomada de seu caminho
Fomos amantes solitários dispersos por atalhos na cidade
Uma aventura iniciada no abraço até as bocas de volúpia
Na gaveta da aparador, cartas que foram a raiz de tudo
Sementes inquietas de papel que inventaram este poeta
Sonhos de tinta, a lembrança que viestes com o outono
E compartilhamos a mesa, os gestos e também angústias
Dia após dia, da varanda assistíamos o balé das nuvens
Mas o destino trouxe o chamado de um lugar distante
Na penumbra dos dias que anunciaram a minha partida
Choravas como chora o mar nas madrugadas à beira-mar
Da janela, via-se o trem azul pronto para última viagem
Então cruzei um abismo feito de silêncio, apagaste a luz
Restou uma parda silhueta do local onde fui mais feliz
Afeiçoei-me à dor, almejo que já ligues a luz sem chorar


quarta-feira, março 19

Segunda-Feira

Sem coro e sem plateias, lá vai o poeta com seu chapéu
Antes que chegue abril, sorve as últimas luzes pelo céu
Caminha sem ansiedade e admirando a beleza do jardim
De flores desnudas abstraídas que o outono já começou
As quais lhe enfeitam a memória. Não é como biografia
Só breves trechos, tirados a bisturi, de velhas histórias
Foi cego aos que o julgaram, pelos paraísos onde passou
Assim se manteve livre das teias insidiosas da demência
Vitimado da ilusão – não importa – pois se permitiu crer
Buscando um coração onde vira um ondulante quadril
E o rubro silêncio brotou dos seus lábios como sangue
Nessa e em muitas outras vezes por verões abrasantes
Só encontrou foi flores plásticas, beijos feitos de látex
Amores cibernéticos, nada para admirar ou a recordar
O luar se ergue detrás da parede, as putas enfileiradas
Esperam que a noite lhes seja tão generosa quão gentil
Que lhes protejam da tirania das chuvas e dos ladrões
O poeta caminha na calçada alheio aos chamamentos
Criando versos de palavras que parecem indecifráveis
Um concerto de hendecassílabos lhe ilumina o rosto
Que fariam Castilho revolver-se de tanta indisciplina
A liberdade montada a cavalo, em plena segunda-feira


terça-feira, março 18

Que faço?

O que faço agora se chamo teu nome e me reponde o silêncio
Se todas histórias que contam tem os vestígios de teu sangue
Se me restam apenas solilóquios onde tu te aninhas sem pudor
Entre os sulcos de antigas cicatrizes que ameaçam romper-se
Eis que ocupas minha pele em tuas bandeiras de alento à dor
O que faço se a brisa da tarde deita-se nas montanhas do sul
Se meus lábios desejosos buscam o doce calor rubro dos teus
Se as roupas do varal, ao ritmo do vento, exalam teu perfume
Qual fantasmas ávidos a renascer no terreno fértil do desejo
Que semeaste no meu peito onde ocupas qual senhora de mim
Os pássaros agitam suas asas no jardim, é hora de retomar voo
Buscar um novo horizonte onde o sol jamais deite além do mar
Vou voltar ao meu torrão no caminho traçado com meu nome
Onde escrevias te amo com o vapor da boca na janela da sala
Se ao menos um sinal me desses, sei lá, nascer de novo os lírios
Dos quais carregavas para nossa cama nos cabelos o perfume
Ou se ligasse o rádio e lá tocasse aquela música que cantavas
Quando à luz do luar, o sereno vinha sobre nós como pérolas
Um sinal que me dês com o caminho certo para te encontrar
Seguir um vento vespertino entre as nuvens cinzentas no céu
A tempestade que preceda à calmaria d’uma nova primavera
Dar a senha para retomar o sonho do ponto em que acordei
Só um breve signo e alçarei voo para pousar entre tuas coxas
Minha boca deitará sobre a tua e tornaremos a noite infinita
Pois que de carne e beijo é que tua lembrança reside em mim

 


terça-feira, março 11

Antídoto / Antidoto / Antidote

Os livros tediosos narram histórias inúteis e poesias baratas
Invadidas por frases enfermas, por lívidos versos para sofá
Já se tem o quanto baste! Vim a inaugurar uma nova poesia
Pronta a ser proibida, a escandalizar vocábulos intencionais
Desnuda de cobiças, proposta nuclear para ouvidos finos
Não venha imaginar que me tornei poeta, por cair do céu
Poeta, sou quântico tal todo homem na terra, um não anjo
De versos imersos em ozônio e aranhas a circundar moscas
Um novo arco nos céus, abraçador e destruidor de ídolos
O poeta que tatua na testa a marca de ser não decorativo

Antes, saído do sonho, a andar entre homens tal fosse um
Um poeta para o cotidiano, de presença nas ruas e praças
Onde sente e converse com transeuntes, inovando as letras
Palavras d’uma nova gênese, vigilantes, de punhos cerrados
A ilusão criada, mordida a frio, verdade que vem a galope
Tenho como espaldares, correias de arado a semear o grão
Deito, sem angústia, carícias maternais que tocam a terra
Pois, que me diga aquele que julgar que estou equivocado
Eu o retrucarei com minha estrofe nua, à face da alvorada
Cuspindo fora o que haja de amargo, reescrevendo nuvens
E jamais me quedarei aos pés da república para ser aceito
Pois que me oponho à liberdade seletiva ou de conta-gotas
Dos que a vendem por uns poucos centavos aos coiotes
Há dez anos convivo com a morte sem suspiros e lágrimas
Olho aberto noite e dia e não serei surpreendido pelo fim
Sou anti-espelho de meu tempo, a antítese de caudilhos
Meu poema é, apenas, antidoto aos que sofrem de silêncio
 
Los libros aburridos cuentan historias inútiles y poemas baratos.
Invadido por frases enfermizas, por versos marchitos para el sofá
¡Ya tenemos suficiente! Yo llegué a inaugurar esta nueva poesía
Dispuesto a ser prohibido, a escandalizar palabras intencionadas
Despojada de avaricia, una propuesta nuclear para oídos delgados
No vengas a imaginarte que me torné en poeta cayendo del cielo
Poeta, yo soy cuántico como todo hombre de la tierra, un no ángel
De versos sumergidos en ozono y las arañas asediando las moscas
Un nuevo arco en los cielos, abrazando y destruyendo fetiches
El poeta que se tatúa en la cara lo timbre de ser 
no decorativo

Antes, saliendo del sueño, caminando entre los hombres como un
Un poeta para la vida cotidiana, con presencia en calles y plazas
Donde te sientas y charlas con los transeúntes, innovando las letras.
Palabras de una nueva génesis, vigilantes, con los puños cerrados
La ilusión creada, mordida fría, verdad que viene galopando
Tengo como respaldos correajes de arado para sembrar el grano
Me acuesto, sin angustia, caricias maternales que tocan la tierra
Bueno, que quien recapacite que estoy equivocado me lo diga.
Te responderé con mi estrofa desnuda, al frente de la alborada
Escupiendo todo lo acerbo, reescribiendo por los nubarrones
Y jamás subsistiré a los pies de la república para ser aceptado
Puesto que me opongo a la libertad selectiva o del cuentagotas
De los que se la trasfieren por meros centavos a los coyotes
Durante diez años he vivido con la muerte sin suspiros ni lágrimas
Mantengo los ojos abiertos noche y día y no me sorprenderé al final
Soy el anti espejo de mi tiempo, antítesis de los ‘honrados’ caudillos
Mi poema es sólo un antídoto para los que sufren por el silencio.
 
Tedious books tell useless stories and cheap poems
Invaded by sick phrases, by livid verses for the sofa
We already have plenty! I have come to install a new poetry
Ready to be outlawed, to scandalize intentional words
Naked of greed, a nuclear proposal for fine ears
Don't come imagining that I became a poet, by falling from the sky
Poet, I am quantum like every man on earth, a non-angel
Of verses immersed in ozone and the spiders’ circling flies
A new arch in the heavens, embracer and destroyer of idols
The poet who tattoos on his forehead the mark of no decorative
Rather, emerging from the dream, to walk among men as if he were one
A poet for everyday life, with a presence in the streets and squares
Where he sits and talks with passersby, innovating the letters
Words of a new genesis, vigilant, with scrunched handfuls
The illusion created, bitten cold, truth that comes galloping
I have as backrests, cultivator straps to spread the grain
I lie down, without anguish, maternal caresses that touch the earth
Well, let everybody who thinks I'm mistaken tell I personally
I'll retort with my naked stanza, in the face of dawn
Spitting out whatever is bitter, to rewriting the clouds
And I'll never stay at the feet of the republic to be accepted
Because I'm opposed to selective or dropper freedom
Of those who’s selling it for a few cents to the coyotes
For ten years I've lived with death without sighs or tears
I keep my eyes open night and day and I won't be surprised by the end
I'm the anti-mirror of my time, of the honorable caudillos
My poem is just an antidote to those who suffer from silence


sexta-feira, março 7

Universo

Tua presença em mim, bem assim, tua figura indelével
Se escreve como a paixão que não me deixa a caneta
Que vem povoar meus sonhos que se sonha sem saber
Saídos de uma pintura de Dali nos dias mais chuvosos
Uivo qual lobo à lua cheia, se tento teu nome chamar
Nestes trópicos onde lembrar de ti é a melhor carícia
Tenho sede, mas também medo de me afogar nesse rio
Vem meu anjo, vem saciar a sede de teu eterno menino
Vem mergulhar nos rios de meus sonhos, vem me salvar
Lembra de nosso riso lavado, nosso abraço apertado
Onde a palavra no poema é a palavra que diz do amor
Se repita uma e uma segunda vez, porque é belo amar
E repita mais outra vez, porque o amor não tem dono
Seja no sonho e na vida, na chuva vespertina de verão
E quando a noite vir, brilhem cortejos de vagalumes
Pelo não dito e pelo dito com as pupilas cintilantes
Os meridianos e paralelas, a caminhar entre moinhos
E se apagarem sóis, mundos e estrelas, não meu verso
Por todos eclipses, por ti orbitará todo meu universo


terça-feira, fevereiro 25

Por Sonhar

Por sonhar com tua presença, esqueci que te foste
No anseio primevo de te querer renasceste para mim
Sei que o caminhar do tempo, afinal, jamais retorna
E da sede que tenho de ti, padecerei em chão árido
Na minh’alma crestada, vive u’a louca angustia febril
Bastando um pensar para rever teu olhar profundo
Teu brilho entre os astros a brilhar mais que o luar
E relembra o perfume das noites da minha infância
Enquanto meu peito arde entre veredas de tristeza
Onde eu, pássaro revivo, sou fênix no fogo dos dias
Ainda ouço a melodia de tua voz clamar meu nome
Aperto o passo, tento me afastar e sabe lá, olvidar
Mas, Ó dor, eu a ouço no canto suave do rouxinol
No fragor das ondas que vêm repousar à beira mar
Sob o trágico véu noturno que ocultou sua beleza
Para gerar sua imagem em mim qual uma primavera
Onde o sublime apego que recheia meu peito de luz
Faz-me escrever versos entre a ternura e a angústia
E só o poema rompe o sereno silêncio desta solidão
E enquanto o sol, de tristeza no crepúsculo morre
Teu nome ecoa docemente dentro do meu coração

sexta-feira, fevereiro 14

A Cæsar

Meus despertares de poeta nunca me trarão riqueza
Contudo, não sei deixar meus dedos vazios e calados
Não basta a meus olhos olharem as coisas do mundo
Se vejo a solene angústia dos hospitais e das calçadas
Da cidade enferma rodeada de silêncio, de escuridão
Nas marquises apinhadas da sociedade de olvidados
São miseráveis a quem viramos o rosto para não ver
A acolhedora cidade onde cresci, sofre dessa febre
E ignora essa gente silenciosa que brota com a noite
O que posso eu, um poeta, se não o fazem poderosos
Enquanto as fábricas apagam as luzes e engrenagens
Os togados se jactam de virtudes há tanto excluídas
Que hino cantarei se o hino pátrio é quase subversão
Se o sabiá já não tem palmeiras e nem podem gorjear
Se o verde amarelo agride aos senhores de verdades
Tão escuras e frágeis, qual vampiros ocultados da luz
E suas malditas estórias golpistas, contos fabricados
Nossa gente nos subúrbios calados pela fome e medo
Mas, não olvidem, pois nós estamos por toda a parte
Nosso verso restaurará a beleza nunca d’antes vista
Somos o verso, mas também o reverso de suas moedas
E dando a César o que é de César, o troco ainda virá

 

quinta-feira, fevereiro 13

Mosaico

 Meu pensamento se retorce em um mosaico
De pequenas palavras que colam-se entre si
Voo entre as folhagens verdes e vespertinas
Para esboçar pontes de tinta sobre abismos
De minha percepção, na tarde, pelas janelas
Vejo um olhar tênue, teço palavras, acentos
Vejo espelhos onde ficou a nossa juventude
Enquanto ouso desvendar sigilos cotidianos
Alento imperceptível nas margens do existir
Carrego na alma sementes do silêncio diário
Dos negros presságios tatuados na memória
Restos do amor que se fala, mas não se vive
Se a estrada da vida se assemelha ao sonho
Sonharei que o sol chegará incandescente
Em sua capa de ouro para olvidar a lágrima
Toda essa tristeza milenar inscrita no tempo
Tal a cicatriz oxidada que ontem era ferida
Perder-se-á no labirinto de asfalto da cidade
Que desliza na noite com cheiro de jasmim